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Valor Online ( Empresa ) - SP - Brasil - 19-06-2015 - 08:44 -   Notícia original Link para notícia
Governança de estatais mobiliza Congresso e setor privado

O escândalo da Petrobras conduziu especialistas e neófitos a uma mobilização inédita em torno de medidas que busquem melhorar a governança corporativa não apenas da petrolífera, mas de todas as estatais brasileiras.


Aconteceu nos últimos 20 dias o que não ocorreu em 27 anos. Nesse curto intervalo, foram apresentados três projetos de lei (PLs) no Congresso Nacional sobre esse tema. Até então, não havia qualquer iniciativa para disciplinar a estrutura de governança das estatais, conforme determina a Constituição de 1988.


Para além da esfera pública, a BM&FBovespa anunciou que vai lançar um selo de qualidade para as sociedades de economia mista no dia 30 de junho e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), que já editou uma "carta de opinião", prepara novos documentos e orientações.



A profusão de iniciativas - pelo objetivo e pelo momento - agrada quase que a gregos e troianos. As medidas não são imunes a críticas, mas mesmo quem vê riscos e problemas louva o debate.


A súbita quantidade de informações está causando dúvidas até entre estudiosos, que não conseguem acompanhar os detalhes. Há dois projetos vindos do PSDB, assinados separadamente pelos senadores Aécio Neves e Tasso Jereissati, e um terceiro do PMDB, patrocinado em conjunto pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha,


Os projetos têm como tônica a diminuição da interferência política - até com a vedação de indicação de quem ocupa cargo público - e o aumento da qualidade técnica dos administradores.


Apesar de item essencial, há uma preocupação de especialistas com excesso de detalhes e com efeitos práticos. Alguns dos projetos podem resultar na transferência do poder e importância do conselho de administração das companhias ao Senado Federal - na contramão do discurso, portanto.


Embora as medidas sejam apoiadas, a leitura de parte dos projetos de lei leva alguns especialistas a se questionar sobre a real necessidade de nova e extensa legislação sobre o tema. Para alguns, a melhor rota seria aplicar de forma mais dura as leis já existentes. Há ainda o temor de se abrir espaço para eventuais pioras - paira no pensamento a expressão em latim "primum non nocere", usada na área médica. "Antes de tudo, não faça mal", em livre tradução.


Marcelo Barbosa, sócio do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados, acredita que boa parte dos pontos que os projetos de lei a respeito de estatais tratam já é atendida pela Lei das Sociedades por Ações. "Preocupações com requisitos para administradores, transparência e limitação do poder de controle podem ser cobradas com base na lei societária que já temos. O grande avanço esperado é possível com a efetiva aplicação da lei e com algumas melhorias nas regras de penalização."


A opinião é acompanhada por Eliane Lustosa, conselheira do IBGC. "A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é a xerife responsável para punir os casos de abuso, tanto do controlador privado quanto público. Se a aplicação das normas for adequada, talvez não precise de novas leis", diz.


Para que se compreenda melhor as ideias em debate, o Valor compilou alguns dos principais pontos das propostas e montou um quadro comparativo (ver acima).


O projeto da BM&FBovespa é bem visto por quase todos, mas tem alcance limitado, já que será de uso voluntário e criará apenas incentivos às boas práticas, sem obrigação, e sem sanções severas (além da perda do selo) no caso de descumprimento das regras.


Na proposta da bolsa, que ainda será finalizada, os pontos elogiados são a criação de comitês estatutários de auditoria e nomeação, que seriam liderados por membros independentes, a adoção de padrões internacionais de revisão de controles internos (padrão Coso) e a formalização de políticas para transações com partes relacionadas.


Para Mauro Cunha, presidente da Associação de Investidores do Mercado de Capitais (Amec), que também acha o endurecimento na aplicação da lei atual essencial, só é preciso cuidado para evitar que a criação e adoção de selos se torne mais relevante que o cumprimento da lei.


O projeto da dupla Renan e Cunha é visto com mais reservas dentre todos. Em parte, por repetições desnecessárias de longos trechos da Lei das S.A. Outra questão é a percepção de que, na prática, termine por transferir a importância e o poder do conselho de administração para o legislativo - o Senado teria de aprovar administradores. Também foi apontada a falta de tratamento para conglomerados - o que poderia levar ao crescimento do número de cargos de conselheiro em diversas subsidiárias das estatais.


O ponto positivo destacado é o fato de o PL levar para as empresas 100% públicas algumas das normas que hoje valem somente para as sociedades de economia mista, o que seria um avanço.


A proposta apresentada por Aécio Neves é a única que sugere mudança na redação do artigo 238 da Lei das S.A., que trata das estatais de capital aberto. Após determinar que "dono" e administradores respondem pelas mesmas obrigações que empresas privadas, o dispositivo dá ao acionista controlador o direito de "orientar as atividades da empresa de modo a atender ao interesse público que justificou sua criação". Há essa exceção, portanto, para o controlador não agir no melhor interesse do negócio.


É com base neste artigo - que só neste ano passou a ser discutido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com o julgamento da Eletrobras e da Emae e a abertura de processo contra ex-conselheiros da Petrobras -, que o governo tem justificado que estatais assumam custos de subsídios, assinem contratos que lhe dão prejuízo e façam investimentos deficitários (veja mais em Limite para artigo 238 é sinal de mudança).


Na redação sugerida por Aécio, que contou com ajuda do ex-presidente da CVM Marcelo Trindade e do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga na elaboração do texto, o controlador só poderia agir dessa maneira no comando de estatais que fossem 100% públicas, que não têm acionistas minoritários privados.


O projeto da dupla Renan e Cunha é visto com mais reservas dentre todos. Em parte, por repetições de trechos da Lei das S.A


O PL de Aécio também tem como ponto positivo, segundo Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM, o fato de remeter à Lei das S.A. "Sair do zero ou pegar alguns pedaços para uma lei específica das estatais me parece perigoso." Para ela, a proposta de Aécio "está muito boa", ao reforçar aspectos de governança e controles em relação ao que existe hoje.


Embora reconheça que a estrutura da CVM teria que ser reforçada, elogia a ideia de levar ao guarda-chuva da autarquia as estatais federais 100% públicas. "A CVM é o único órgão capaz de fiscalizar isso, com quase 40 anos de vida e reconhecida especialidade no que faz", diz ela.


O projeto de Aécio trata ainda da questão das subsidiárias, de modo que conglomerados possam ter apenas um conselho, e também dá ao Senado poder para aprovar administradores.


O texto do senador Tasso Jereissati, por sua vez, entrou como substituto de um PL previamente elaborado por Roberto Requião e já em tramitação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.


Por ser preexistente, o texto trata do processo de licitação usado pelas estatais - que teriam uma espécie de regime diferenciado de contratação (RDC) específico - e se aplica também às estatais estaduais e municipais.


Tasso foi o único a adotar regras do Novo Mercado da BM&FBovespa como régua às estatais de capital aberto. Sugere que o capital social tenha apenas ações ordinárias (com direito a voto), sendo que 25% deve estar em circulação. Estabelece ainda que, em caso de privatização, os minoritários possam vender seus papéis por 100% do valor pago pelas ações do controlador ("tag along").


Embora em um governo do PT o "tag along" aos minoritários possa parecer irrelevante, já que não existe programa de desestatização, é bom lembrar que esse direito foi retirado da Lei das S.A., em benefício da União, no processo de privatização conduzido pelo PSDB na década de 1990. Retornou só com a reforma de 2001.


Para as empresas já listadas que possuem ações preferenciais, como Petrobras e Eletrobras, o projeto prevê prazo de quatro anos para o fim das preferenciais (sem voto) e dois anos para a meta de 25% do capital em circulação - que ambas já possuem. O Banco do Brasil já está no Novo Mercado.


Tasso ainda limita gasto com publicidade nos anos eleitorais à média dos três anos anteriores e impõe teto de 1% da receita bruta do exercício anterior para gastos com publicidade e patrocínio.


Ao analisar as propostas a pedido do Valor, o advogado Edison Fernandes, especialista em direito contábil, disse que discorda da proposta do PL do Aécio sobre o artigo 238, já que na visão dele todas as estatais "devem ter interesse público". Segundo ele, basta que esse interesse seja conhecido do acionista e haja "transparência" sobre o risco político.


Sobre os critérios mínimos para nomeação, ele considera a proposta do PL de Renan e Cunha melhor, por não exigir experiência prévia em conselho, que é a prática de mercado hoje. Já no caso dos diretores, a proposta de Aécio agrada mais, por abrir espaço para funcionários de carreira das estatais.


Ele também destacou a presença do Senado nos projetos do PMDB e de Aécio como negativa. Maria Helena também não gosta da participação dos senadores. "O Senado tem outras missões, e a lei já trata dos deveres fiduciários desses executivos, além da exigência de competência e qualificação."


O principal ganho com os projetos, na opinião do advogado Marcelo Barbosa, seria a proibição legal de indicação de políticos para cargos de administração. "Eu só acredito que vá acontecer se estiver em lei."


Para Cunha, da Amec, é preciso tomar cuidado para que a uma nova lei não vire "Frankstein". Por isso, defende a cobrança efetiva dos administradores e controladores pelo que a Lei das S.As. já exige.


Eliane afirma, contudo, que iniciativas que procurem retirar a influência política na indicação de conselheiros e diretores de estatais "só podem ser bem-vindas".


Uma preocupação do IBGC se refere aos critérios mínimos para indicação de conselheiros. "Se todos forem ex-diretores de companhias, talvez você perca um pouco da diversidade que é desejável para o conselho", diz ela.


No código do instituto, aparecem como requisitos fundamentais o alinhamento de interesses com a empresa (não com o controlador), disponibilidade de tempo e capacidade de ler e compreender os relatórios e de se manifestar perante os colegas.


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