Leitura de notícia
Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil - 17-06-2015 - 09:24 -   Notícia original Link para notícia
Demanda fraca ainda não 'ajuda' inflação

Os sinais de enfraquecimento da demanda são cada vez mais evidentes, mas isso não se reflete nos preços. Ontem, dados do varejo restrito desapontaram e a expectativa para o indicador de atividade do Banco Central (o IBC-Br) de abril - a ser divulgado na sexta - é de queda, mesmo após recuar 1,1% em março. Os preços, porém, seguem impávidos e a projeção é que ainda haja uma piora antes que os primeiros sinais de desaquecimento da inflação apareçam.


A avaliação é que pelo menos três fatores vêm impedindo que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) recue no período de 12 meses, desde dezembro do ano passado: os custos mais altos dos preços administrados (energia elétrica, água e combustíveis); os impactos da desvalorização cambial sobre os preços; e os choques climáticos com efeitos especialmente sobre os preços dos alimentos.


Mesmo em meio à demanda mais fraca, a alta de cerca de 50% esperada para a energia elétrica em 2015 é repassada na forma de custos para outros preços da economia. Como é possível que isso aconteça? "No primeiro momento, subiu gás, subiu luz e até mesmo salários e um restaurante vai tentar repassar, não tem jeito", diz Elson Teles, economista do Itaú Unibanco. "Mas daqui para frente, a demanda de cada setor vai ser um árbitro importante dos repasses". Ontem, o Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10) subiu de 0,52% em maio para 0,57% em junho, levado justamente pela mão de obra mais cara no setor da construção civil, além da inflação mais pressionada no varejo.


O câmbio é outro elemento importante na equação. Embora exista a percepção de que o cenário recessivo limite o potencial de repasse da alta do dólar para a inflação, esse efeito não pode ser desprezado. "A forte depreciação cambial desde o fim de 2014 [de cerca de R$ 2,50 para algo acima de R$ 3], ainda que parcialmente mitigada pela queda dos preços internacionais dos produtos que o Brasil importa, é um dos fatores a explicar essa aparente insensibilidade da inflação à desaceleração da demanda", diz Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores.


Alguma surpresa também veio de alimentação, especialmente dos produtos 'in natura', como cebola e tomate, afetados pela escassez de água nos meses mais recentes. Embora seja transitório e represente tipicamente uma restrição de oferta, o choque climático também impede alívio aos preços. Nessa conta, o economista da LCA inclui ainda a elevação da carga tributária de alguns itens que fazem parte dos preços livres (não arbitrados) do IPCA, como automóveis novos, perfumaria e cosméticos e bebidas.


Teles, do Itaú, ressalta que a demanda fraca não é totalmente invisível e pode ser sentida na trajetória de alguns setores como o de vestuário, que, em alta entre 3% e 3,5% em 12 meses, perde de longe da inflação média do período; ou em equipamentos de TV, som e informática, cuja queda chega a 7% em 12 meses. "Esse é um setor que cai por conta de substituição de produtos, mas não tanto. Com certeza é a demanda batendo ali."


Ainda assim, diz o economista do Itaú, as coisas ainda devem piorar antes de melhorar. " Entre julho e agosto, o IPCA deve passar de 9% em 12 meses". Até o fim do ano, Teles vê alguma desaceleração do indicador, mas pequena. Amanhã, o banco solta revisão do IPCA de 2015, que deve ficar acima dos 8,5% atualmente esperados, embora ainda deva encerrar o ano abaixo de 9%.


Jankiel Santos, economista-chefe do Besi Brasil, avalia que é preciso levar em conta a existência de defasagem entre o momento da desaceleração da atividade e a queda na inflação. "Tanto é verdade que, em junho de 2013, a inflação interanual dos preços livres era de 8,3% e baixou para 6,8% em maio deste ano. Ou seja, a perda de dinamismo econômico tem provocado alguma desinflação", diz ele.


Santos lembra que o mercado de trabalho só começou a apresentar piora mais significativa nos últimos meses. A massa salarial, diz, "embicou" para baixo em 12 meses apenas neste ano, o que limitou o efeito deflacionário. Fora a inércia. "Deve acontecer uma desaceleração na inflação dos preços livres à frente, ainda que a velocidade possa ser inferior à que o BC gostaria de ver." (Colaboraram Tainara Machado, de São Paulo, e Alessandra Saraiva, do Rio)


Com queda de 0,4%, varejo decepciona em abril e analistas esperam 2º trimestre pior


O cenário para o consumo permaneceu negativo no início do segundo trimestre. Contrariando expectativas do mercado que apontavam algum crescimento, ainda que fraco, o volume de vendas do varejo restrito (não inclui automóveis e material de construção) caiu 0,4% entre março e abril, feitos os ajustes sazonais - pior resultado para o período desde 2001, segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE. Em abril daquele ano, houve recuo de 0,5%.


No mercado ampliado - que considera veículos e material de construção, além dos oito pesquisados no restrito - a retração foi de 0,3%. Sete dos dez setores pesquisados diminuíram as vendas na passagem mensal, embora o volume comercializado de supermercados e veículos, que têm peso importante na PMC, tenha crescido.



Para economistas, os resultados positivos desses dois ramos de atividade não são sustentáveis e a piora do mercado de trabalho, a queda da renda e o pessimismo do consumidor devem manter o varejo em campo negativo até junho.


Paulo Neves, da LCA Consultores, aponta dois fatores que podem explicar a alta de 1,9% das vendas de supermercados em abril: a modesta desaceleração dos preços de alimentos e bebidas (1,17% em março para 0,97% no mês seguinte pelo IPCA) e uma "devolução" da forte retração ocorrida em março, de 2,2%. Neves destaca que, de janeiro a abril, o setor cresceu apenas 0,3% na média mensal, ritmo que considera fraco, e avalia que a expansão do último mês não marca uma tendência para essa parte do comércio.


A mesma análise vale para o avanço de 4,4% nas vendas de veículos e motos, partes e peças, diz André Muller, da Quest Investimentos, que subiram após quatro quedas consecutivas. Cálculos com ajuste sazonal da Quest a partir de números da Fenabrave (entidade que reúne os revendedores) indicam que as vendas de veículos encolheram 1% de abril para maio, sexto recuo seguido na série da gestora de recursos. "O IBGE deve captar esse movimento nos próximos meses", afirmou.


Juliana Vasconcellos, gerente da coordenação de serviços e comércio do IBGE, também avalia que a expansão nas vendas de automóveis em abril não pode ser visto com otimismo. "O comprometimento das rendas das famílias e as incertezas quanto ao futuro [da economia] comprometem diretamente as vendas de veículos", disse Juliana, para quem os preços em alta, a redução da renda e as maiores restrições ao crédito explicam o recuo do comércio restrito no mês.


Segundo Muller, os números de abril mostram que os consumidores estão reduzindo gastos, ao mesmo tempo em que a inflação elevada afeta negativamente os resultados do comércio: o deflator da PMC restrita subiu de 0,2% para 0,7% na passagem mensal. Por ora, diz, não há sinais de reversão para o desempenho negativo do setor, uma vez que o mercado de trabalho deve seguir em trajetória de deterioração, a demanda das famílias por crédito está em baixa e os bancos estão mais seletivos.


Se as vendas restritas ficarem estáveis em maio e junho, Muller calcula que terminarão o segundo trimestre em nível 1,2% inferior aos três meses anteriores, na comparação dessazonalizada. Para as vendas ampliadas, a herança estatística também é negativa, de 1,9%. "Como deve haver mais quedas nas vendas nos próximos meses, o resultado final do trimestre pode ser mais fraco do que esse."


O quadro de intenso enfraquecimento das vendas levou a LCA a revisar sua estimativa para o desempenho do varejo restrito em 2015, de aumento de 0,2% para retração de 0,6%. Se confirmada a variação, será o pior resultado do comércio desde 2003, quando o volume de vendas - sem considerar veículos e material de construção - diminuiu 3,7% ante 2002.


De acordo com Neves, os dados do varejo no primeiro quadrimestre foram "tumultuados" pela concentração atípica de aumentos de despesas que reprimiram o consumo. Ao longo dos próximos meses, o efeito da correção desses preços tende a diminuir, o que abre espaço para pequeno alento ao comércio na segunda metade do ano. Mesmo assim, diz, o maior pessimismo dos consumidores, a alta do desemprego e a queda da renda disponível impõem uma dinâmica negativa para o setor em 2015.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.