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O Globo Online (RJ) ( Rio ) - RJ - Brasil - 15-06-2015 - 10:11 -   Notícia original Link para notícia
Medo no varejo, roubo no atacado

Receptação alimenta comércio ilegal, até em feirões, e está por trás do aumento dos assaltos


A húngara Zsazsa Demeter passou por uma experiência traumática em janeiro passado, quando saía à noite de uma festa em Santa Teresa. Ela e amigos foram cercados e assaltados por homens armados, que agiram com violência. A estrangeira, que viera para a cidade com um projeto social na manga, desistiu do Rio. Na semana passada, cinco meses depois do episódio, Zsazsa, já em sua terra natal, recebeu uma ligação de um policial da 4 ª DP ( Praça da República): seu celular havia sido recuperado entre os produtos postos à venda num dos 1.300 boxes do mercado popular da Uruguaiana, no Centro, numa das maiores operações já realizadas contra quadrilhas de receptação. Criado em 1994 pela prefeitura para organizar o comércio ambulante da cidade, o camelódromo tornou- se um reduto de venda de produtos roubados ou pirateados. E não é o único no estado.


FOTOS DE MARCELO CARNAVALProdutos suspeitos. Feira em Caxias, onde pelo menos 30% das barracas vendiam ontem celulares e baterias


- Mercado ilegal de telefones existe em todo lugar. Mas no Brasil parece que não tem limite - conta Zsazsa, ainda chocada.


De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública ( ISP), de janeiro a abril deste ano, foram registrados 1.470 casos de receptação, contra 1.671 no mesmo período de 2014. A redução de 12,02% no total de casos, no entanto, não é uma boa notícia e, no fundo, encobre uma falha no combate a esse tipo de crime. Basta constatar que, no mesmo período, os roubos de carga cresceram 35%, passando de 1.679 para 2.266 ocorrências, e os roubos de celulares, 78,75%, saltando de 2.043 para 3.652 casos. Um quadro preocupante, causado por problemas que se sobrepõem: falta de fiscalização do poder público e de investimentos em inteligência, legislação frouxa e uma demanda cada vez maior de consumidores dispostos a pagar menos por produtos roubados. A receptação no Rio é hoje a grande fomentadora da violência: o ciclo desse tipo de crime começa no assalto de rua, que pode acabar em latrocínio ( roubo com morte), e termina em mercados clandestinos.


SÓ 73 AÇÕES SÃO DE RECEPTAÇÃO QUALIFICADA


Além do camelódromo, antigas feiras, conhecidas como "robautos", continuam a funcionar sem repressão, vendendo de peças de carro a bicicletas. Os celulares também são uma febre. Ontem em Caxias, por exemplo, pelo menos 30% das barracas vendiam aparelhos ou baterias. Em Acari, uma das regiões mais carentes da cidade, havia uma bicicleta importada oferecida a R$ 700 - e consumidores ávidos para comprá- la.


Para o antropólogo Roberto DaMatta, é urgente se discutir a ética do consumo:


- Até onde uma pessoa pode ir para ter um objeto do desejo, como um celular de última geração? Vale comprar um produto roubado, sabendo que, por trás desse roubo, pode ter acontecido uma violência ou até uma morte? É evidente a falta de ética e a responsabilidade desse consumidor na violência.


Só na manhã de sexta- feira, foram registrados três roubos de cargas - em dois casos, eram cigarros o produto transportado. Segundo o diretor de Segurança do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas ( Sindicarga), Venâncio Moura, a instituição acompanhava, no mesmo dia, o desenrolar do sequestro de cinco vans quer eram mantidas pelo tráfico dentro do conjunto de favelas de Costa Barros:


- Entre 2010 e 2013, houve em média 3.500 roubos por ano. Hoje, vivemos uma situação nova, em que o tráfico rouba carga para fazer dinheiro rápido. Os bandidos sequestram o veículo, levam para a favela e vendem a carga, por valores muito baixos, à própria comunidade. Cigarros são vendidos a R$ 1 , botijões de gás, a R$ 15, e por aí vai. Nossa previsão é que o ano feche com 7.500 roubos.


Os números da Justiça ajudam a ilustrar o engessamento das autoridades. O crime de receptação é agravado se o objetivo do roubo for o comércio ou a indústria: com a qualificação, a pena, de até quatro anos de prisão, pode ir a oito em regime fechado. No entanto, dos 1.775 processos instaurados até maio de 2015, apenas 73 tratam de receptação qualificada. Em mais de 90% dos casos, os acusados têm o direito de responder em liberdade.


- O crime de receptação é a mãe de todos os crimes, mas infelizmente não é visto judicialmente dessa forma. É necessário que as pessoas compreendam que o criminoso mata para roubar e, em seguida, vender ou trocar o bem. Logo, a compra de produtos roubados é a chama que alimenta o crime - avalia o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, que tenta em Brasília a modificação da lei para tornar mais rigorosa a punição de quem compra produtos roubados.


CAMELÓDROMO É INVESTIGADO


Para tentar controlar a explosão dos números de roubos, o delegado Marcelo Luiz Santos Martins, da Delegacia de Roubos e Furtos de Cargas, trabalha junto às empresas para melhorar a segurança e tentar identificar quadrilhas de receptação.


- Quando assumi o cargo, em novembro passado, só a Ambev tinha, naquele mês, 256 registros de roubos de carga. Verificamos que não havia regras, e as entregas, muitas vezes, eram feitas nos horários de maior risco. Com a mudança de horários e a repressão, os roubos caíram para 55 este mês - conta.


Em outra frente, o delegado Cláudio Vieira, da 4 ª DP, faz uma triagem dos produtos roubados apreendidos no camelódromo - relógios e celulares, entre outras mercadorias - e tenta identificar os verdadeiros donos dos boxes investigados, cerca de 150, para indiciá- los por receptação qualificada. A prefeitura, segundo ele, não tem um controle do cadastro. A própria associação de comércio do local luta para regularizar a situação, porque apenas 40% das lojas têm proprietário conhecido. Na última sexta- feira, o presidente da entidade, João Lopes do Nascimento, se reuniu com representantes da Secretaria Especial da Ordem Pública, para dar início ao recadastramento das unidades.


- O fato é que não sabemos quem são os donos desses boxes - afirma João.


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