Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil | - 29-05-2015 - 08:30 - | Notícia original | Link para notícia |
Recessão se aprofunda e PIB do 2º tri pode ser o pior do ano |
Por Tainara Machado e Arícia Martins | De São Paulo A queda da atividade econômica no primeiro semestre de 2015 era uma realidade dada como certa por grande parte dos economistas no fim do ano passado. A piora do mercado de trabalho entre janeiro e abril, porém, foi mais acentuada do que se antecipava e o Banco Central endureceu o discurso e prolongou o ciclo de alta de juros, com desdobramentos relevantes sobre o crédito. Neste cenário, a confiança de consumidores e empresários segue em baixa e, para analistas consultados pelo Valor, é possível que o segundo trimestre seja de recuo até mais forte do Produto Interno Bruto (PIB), de até 1%, depois de uma queda de 0,5% esperada para o primeiro trimestre. Para os analistas, a recessão é clara e está se aprofundando. Nos últimos 20 anos, o PIB caiu por dois trimestres seguidos só em 1999, 2001 e 2009. Como indicativos já concretos de intensificação do quadro recessivo, eles mencionam a deterioração adicional do mercado de trabalho, a piora das condições de oferta de crédito e a retração de índices usados para prever a variação da produção industrial. "Todo mundo esperava que o pior momento para a atividade ficasse no primeiro trimestre, mas a confiança segue em deterioração, o fluxo de veículos pesados em rodovias caiu, a produção e a venda de automóveis também. A recessão parece estar se agravando", afirma Paulo Gala, diretor e gestor de renda fixa e multimercados da Fator Administração de Recursos. O Brasil, diz, está em meio a um clássico ajuste recessivo, com elevação de impostos, corte do gasto público e alta de juros. A questão, diz, é que embora a arrumação das contas do governo pareça inevitável, é possível que o Banco Central esteja exagerando na dose. "Acho, e não sou o único no mercado, que o BC está sendo duro demais. A contração da atividade está muito forte e é importante lembrar que o país é mais alavancado hoje do que há dez anos", comenta. Gala estima queda em torno de 0,5% do PIB no primeiro trimestre e de 0,75% no segundo. Alexandre Andrade, da GO Associados, avalia que o principal fator a jogar a atividade para baixo tem sido o esfriamento do mercado de trabalho. Em abril, houve corte de 98 mil vagas de trabalho no setor formal da economia brasileira, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), enquanto o aumento da procura por um emprego levou a taxa de desocupação a subir para 6,4% nas seis principais regiões metropilitanas do país, de acordo com a Pesquisa Mensal do Emprego (PME) do IBGE. "Há piora significativa do emprego e da renda, o que enfraquece o consumo das famílias", comenta. O crédito também está mais restrito e mais caro, com o aperto das condições monetárias pelo BC, outra sinalização negativa para o comportamento da demanda. De acordo com a Boa Vista, a demanda do consumidor por crédito diminuiu 1,2% de março para abril, descontados os efeitos sazonais. Como os investimentos já estavam combalidos e a reação do setor externo é difícil com a queda dos preços das commodities, o economista estima queda de 1,1% do PIB no segundo trimestre. Em relatório, o Bradesco indica que um sinal preocupante é que, mesmo com queda da demanda, a indústria segue com estoques elevados. Segundo a Sondagem da Fundação Getulio Vargas (FGV), em maio havia 15 pontos percentuais a mais de empresas que consideram seus estoques excessivos, ante 12,7 pontos em abril. Em bens de capital, essa diferença saltou de 24,5 para 35 pontos. Flávio Serrano, economista-sênior do Besi Brasil, estima que o PIB vai encolher 0,6% de abril a junho e avalia que o pior momento do ajuste deve ocorrer entre o segundo e o terceiro trimestre", disse. O economista do Besi ainda lembra que, como o comportamento da atividade foi negativo no fim do primeiro trimestre, com queda das vendas e da produção, a herança estatística deixada para os três meses seguintes já joga contra uma reação da atividade de abril a junho. Para Andrade, da GO, a atividade só deve reagir no fim do ano, quando a melhora das contas públicas e da inflação ficar mais evidente. Para Gala, do Fator, a recuperação ficou para 2016, porque a confiança de empresários e consumidores só deve se recuperar quando o Banco Central começar a cortar juros. Quanto maior for o sucesso do programa de concessões de projetos de infraestrutura, previsto para junho, mais rápido pode ser esse processo, pondera. (Colaborou Ana Conceição) Inflação repete mesma dinâmica vista em outras crises A resistência da inflação de serviços em períodos de queda da atividade econômica não é um fenômeno restrito a 2015. Para economistas ouvidos pelo Valor, os preços que cedem mais rapidamente e com mais força em conjunturas recessivas são os de bens duráveis, que têm peso pequeno no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de 10,5%. Essa configuração parece estar se repetindo neste ano, uma vez que, nos 12 meses encerrados em abril, o grupo que reúne itens como aluguel, cabeleireiro e empregada doméstica e responde por pouco mais de um terço do IPCA avançou 8,34%. Em igual comparação, a alta dos duráveis foi de apenas 3,32%. O professor Luiz Roberto Cunha, da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), observa que, em 2009 - quando o Produto Interno Bruto (PIB) recuou 0,2% e o IPCA desacelerou mais de um ponto percentual em relação a 2008, para 4,31% - os preços de serviços não deram refresco e ficaram praticamente estáveis entre um ano e outro, ao passarem de 6,39% para 6,37%. Já os bens duráveis caíram 1,89% em 2009, após deflação de 0,01% em 2008. Mesmo em 2003, quando a inflação total foi influenciada por uma forte desvalorização cambial e saltou 9,3%, os duráveis foram o subgrupo com melhor comportamento dentro do índice, nota Cunha, ao aumentarem 3,88%. Naquele ano, a inflação de serviços foi de 7,32%. "Os duráveis claramente são o grupo mais afetado pela atividade econômica", afirma o professor, por não serem bens essenciais e por dependerem do crédito, que fica mais restrito em períodos de atividade econômica enfraquecida. Para o economista da PUC-Rio, os serviços devem responder neste ano e no próximo ao cenário de queda da renda e menor criação de ocupações, mas as transformações estruturais que ocorreram no mercado de trabalho na última década reduziram a oferta no setor ao mesmo tempo em que elevaram a demanda por serviços, o que impõe um ritmo mais lento a essa descompressão. "Os serviços não vão continuar rodando a 8% ao ano, mas não vão voltar ao centro da meta", diz Cunha, para quem os serviços devem encerrar 2015 em 8,13%. Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, acrescenta que há serviços fortemente indexados à inflação passada, como o segmento de educação, o que também dificulta uma rápida perda de fôlego dos preços deste setor, assim como a regra de correção do salário mínimo, que baliza os reajustes de empregadas domésticas. "Os serviços vão reagir a essa queda do nível de atividade, mas veremos isso mais fortemente no fim de 2016 e início de 2017", diz Leal, que projeta alta de cerca de 6,5% para estes itens em 2016, contra 8% em 2015. Já o cenário para os bens duráveis é mais benigno e parecido com o de 2003, observa o economista do ABC, com a combinação do desaquecimento da atividade e aumento de custos do setor devido à alta do dólar e da energia elétrica. Em suas estimativas, a inflação nesse segmento deve ficar por volta de 3,5% neste ano. "Se fosse só pela atividade, haveria uma grande possibilidade de deflação de duráveis." Os bens duráveis e, em menor medida, os semiduráveis, como vestuário e calçados, são mais sensíveis também à confiança do consumidor, comenta Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP. Mesmo em situação normal da economia, produtos como eletrodomésticos e eletroeletrônicos costumam mostrar deflação na medida em que são substituídos por outros mais tecnologicamente avançados. Segundo ele, os serviços mostram desaceleração quando a atividade perde ímpeto, mas há um piso para esse segmento que tende a ser mantido. Segundo Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada (Cemap) da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, os serviços vão começar a perder fôlego de forma mais clara nos próximos meses porque há muitos ramos dentro desse setor que são intensivos em mão de obra. "Há uma onda de demissões e os salários estão sendo reajustados a um ritmo mais lento. Como isso representa um alívio de custos, é uma ajuda à inflação", diz Marçal, que destaca segmentos como educação, recreação, turismo e restaurantes. Nas estimativas do Cemap, a inflação de bens comercializáveis, onde estão os serviços, vai recuar de 7% este ano para 6,3% em 2016. Para os comercializáveis, que são em sua maioria bens duráveis, a expectativa é de alta de 5,4% em 2015 e de 4,7% no ano seguinte. Esses dois grupos tendem a caminhar mais próximos por conta da atividade fraca e também do novo patamar de câmbio, comenta Marçal. Redução da banda da meta para 1,5 ponto ajudaria o BC Desde a adoção do regime de metas de inflação pela Nova Zelândia, em 1990, vários países aderiram ao regime, que se mostrou de extrema importância para a estabilização de preços ao redor do mundo. A experiência brasileira pode ser considerada uma das mais bem sucedidas. A adoção do regime de metas em 1999, foi fundamental para garantir a estabilidade de preços e evitar a espiral inflacionária das décadas anteriores, mesmo em ambientes mais adversos como após as maxidesvalorizações de 1999 e de 2002. Um dos objetivos centrais do regime de metas é ancorar as expectativas de inflação dos agentes, que são componentes relevantes da formação de preços da economia. A ancoragem das expectativas diminui o custo da política monetária dado que, em caso de desvios da inflação em relação à meta, os agentes percebem os desvios como temporários e tendem a não perpetuar esses desvios para prazos mais longos, diminuindo os repasses de preços, a chamada inércia inflacionária. Isso significa que quanto maior a credibilidade do Banco Central, menos ele precisará subir os juros para reancorar as expectativas e trazer a inflação de volta à meta. Mesmo descontando a aceleração recente da inflação como resultado do realinhamento dos preços administrados e do câmbio, a inflação no Brasil tem sido persistentemente alta nos últimos anos, o que tem contaminado as expectativas de mercado. A inflação média do primeiro mandato do governo Dilma foi de 6,2%, sendo que a inflação acumulada em 12 meses nunca atingiu o centro da meta e ficou acima de 5,5% em 40 dos 48 meses. Essa resiliência em patamar elevado da inflação acabou afetando as projeções do mercado. As expectativas para a inflação 12 meses à frente coletadas pela pesquisa Focus do Banco Central, junto a agentes de mercado, nunca caiu abaixo de 5% e ficou em 5,7% na média dos primeiros quatro anos do governo Dilma. Nesse momento em que o país passa por um período necessário de ajustes, inclusive com a correção de preços administrados e do câmbio, a inflação deverá acelerar e esperamos que atinja mais de 8% em 2015. Nesse contexto, a percepção dos agentes de que esse é um desvio temporário e de que a autoridade monetária levará de volta a inflação ao centro da meta aumenta a efetividade da política monetária e as chances de cumprimento desse objetivo. Enquanto o Banco Central tem reforçado o objetivo de levar a inflação de volta à meta de 4,5% em dezembro de 2016, a pesquisa Focus mostra que os agentes projetam inflação de 5,5%. Dentre outros fatores, uma das principais divergências das expectativas de mercado em relação ao Banco Central diz respeito à meta percebida pelos agentes. Enquanto o BC utiliza a meta oficial de 4,5%, vários agentes utilizam uma meta "percebida" mais elevada. De fato, ao adotarmos uma meta "percebida" ao redor de 5,5%, por exemplo, modelos de projeção de inflação mostram resultados bem mais próximos à realidade dos últimos anos que utilizando a meta oficial de 4,5%. Essa divergência da meta "percebida" em relação à meta oficial dificulta o trabalho da política monetária e, por isso, o Banco Central, acertadamente, tem feito um esforço de reancoragem das expectativas de volta ao centro da meta de 4,5%. É importante ressaltar que a meta de 4,5% de inflação brasileira é uma das mais elevadas do mundo e quando foi introduzida a ideia seria utilizá-la como meta intermediária para a fixação de valores mais baixos no futuro. Uma eventual sinalização do Banco Central de uma redução da meta seria percebida pelos agentes como um compromisso relevante e ajudaria nesse esforço de reancoragem. Dada a magnitude da correção de preços administrados e do câmbio ora em curso, a redução da meta hoje poderia ser um objetivo muito ousado, já que sua implementação poderia ser muito custosa em meio a uma recessão. A redução da banda da meta de inflação, hoje de dois pontos percentuais, por outro lado, poderia sinalizar um compromisso maior do Banco Central em relação à meta atual. É sabido que bandas muito largas comprometem o esforço da política monetária já que podem ser consideradas como um compromisso menor em relação ao centro da meta. Uma redução da banda para 1,5 ponto percentual, levaria o teto da meta para 6%. Olhando a última distribuição de frequência das expectativas de inflação para 2016 do Focus, observamos que aproximadamente 20% dos agentes de mercado projetam inflação de 6% ou mais. Nesse sentido, a redução da banda do regime de metas sinalizaria um passo importante para que os agentes percebam o real comprometimento de longo prazo do Banco Central. Luiz Fernando Figueiredo é sócio da Mauá Sekular e ex-diretor do Banco Central Nenhuma palavra chave encontrada. |
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