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Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil - 26-05-2015 - 10:00 -   Notícia original Link para notícia
O furo é mais embaixo

A profunda deterioração da situação econômica do país ao longo de 2014 revelada nos números abaixo, não foi um acidente. Nem resultou de formulações pouco iluminadas da política econômica. Pelo contrário, seus formuladores foram politicamente constrangidos pela prioridade da reeleição. Tanto que deixaram prontas as medidas corretivas tomadas pelo governo tão logo assumiu o seu segundo mandato. No fundo, ela é consequência do primeiro axioma da política: o máximo dever do poder é continuar no poder! Quer para continuar seu "sucesso", quer para corrigir seus "estragos".


O quadro geral é muito desagradável, principalmente quando se leva em conta:


1º) o descuido com o déficit público. Em 2009, na crise do Lehman Brothers, quando o crescimento do PIB foi de -0,2%, o déficit público foi de 3,2%, o que mostra a desproporcionalidade de 2014;


Brasil investiu pouco e a produtividade está estagnada


2º) que o desenvolvimento medíocre de 2014 (0,1%), contra 2,8% em 2011/2013, teve muito mais a ver com as intervenções pontuais que causaram a quebra da credibilidade do Governo do que com a conjuntura mundial;


3º) que o desequilíbrio fiscal corroeu a ação da política monetária e aumentou o custo para fazer a expectativa inflacionária convergir com maior rapidez para a meta de 4,5% e


4º) que a política de usar recursos da dívida pública para financiar investimentos que não ficam de pé sem substanciais e permanentes subsídios, elevou a relação dívida bruta/PIB a 58,9% (praticamente 7 pontos percentuais desde 2010, 51,7%). Não deixa espaço para corrigir uma eventual deficiência de demanda global. E, seguramente, pressiona o nível da taxa de juro real que aumenta a relação juros da dívida/PIB. Em 2015 o montante de juros pagos para remunerar a dívida será da ordem de R$ 400 bilhões (400 seguidos de 9 zeros!), o que distorcerá até a distribuição de renda.


Mas o que explica o baixo crescimento que vivemos é o item 2 da tabela, que revela a tragédia que se impôs ao setor industrial brasileiro. Em 1984/85 ele exportava 1,0% das exportações mundiais (e crescia a 15% ao ano desde 1963). Hoje mal chega a 0,7% (declinando 1,2% ao ano desde 1985). Este é um indicador acima de qualquer suspeita que estamos nos desindustrializando antes da hora. O Brasil investiu pouco. A produtividade do trabalhador, que depende da relação capital/trabalhador e da sua capacidade de operar o capital cada vez mais sofisticado, está praticamente estagnada. A política de valorizar o câmbio para combater a inflação, a redução da desoneração da exportação e a prática de taxas de juros reais inacreditáveis, retirou-lhe as condições isonômicas de competir.



Vale a pena repetir: no setor industrial nunca houve "falta" de demanda global. O que houve foi uma perda da demanda da exportação industrial no início da valorização do real. E quando ela se acentuou, houve transferência da demanda interna para a importação. É isso que explica o grande aumento da demanda total de bens industrializados, em respostas aos programas de inserção social, do salário mínimo e do crédito, combinados com uma redução do crescimento da produção industrial interna por falta de sua demanda e pelo colapso da sua exportação. Foi a valorização do câmbio que modificou a relação consumo de bens de produção nacional/consumo de bens importados enquanto a soma das duas (a demanda global) crescia por efeitos da política interna (subsídios, crédito, salários), mas insuficiente para superar o tremendo malefício do câmbio.


Estamos tentando corrigir esses problemas, mas o furo é mais embaixo. A necessária "ordem" fiscal que precisamos apressar é apenas o primeiro passo. O PT não tem ajudado. É bom lembrar que foi ele quem deu aval e beneficiou-se eleitoralmente do "desastre fiscal" apontado acima. Agora, com outro movimento oportunista, tenta beneficiar-se, de novo, da desinformação dos cidadãos, esperando que as "maldades" corretivas sejam aprovadas pelo "patriotismo" dos outros. Pode parecer esperto, mas tem uma dificuldade. Supõe que os "outros" sejam idiotas...


Antonio Delfim Netto é professor emérito da FEA-USP, ex-ministro da Fazenda, Agricultura e Planejamento. Escreve às terças-feiras


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