Leitura de notícia
Valor Online ( Finanças ) - SP - Brasil - 26-05-2015 - 09:03 -   Notícia original Link para notícia
Crédito em pele de cordeiro

Por Sérgio Tauhata | De São Paulo


No filme Gremlins, de 1984, um pai de família compra para seu filho um exótico, mas aparentemente inofensivo, animal com jeito de pelúcia, um Gizmo. As únicas recomendações, segundo o vendedor, eram, sob hipótese nenhuma, alimentá-lo após a meia-noite e molhá-lo. A quebra das regras trouxe consequências catastróficas. A água fez a criatura se multiplicar sem controle. E a comida fora de horário transformou o inocente bichinho em um pequeno monstro, o Gremlin. As características do caótico personagem de ficção guardam semelhanças com um grande risco que as famílias enfrentam neste ano: as dívidas.


Segundo especialistas, ainda que comecem pequenos e, aparentemente, pouco perigosos, empréstimos usados para cobrir rombos ou para consumo podem vir a sofrer o "efeito Gremlin" diante de um cenário de juros altos e ainda subindo, associado à sombra do crescimento do desemprego e da inflação em patamar elevado. Ou seja, o pior ainda não passou.




Os juros em elevação funcionam para as dívidas como a água para os Gremlins, ou seja, encarecem créditos pós-fixados, como as linhas de cartão de crédito e cheque especial, podendo levar o consumidor a cair na armadilha de contrair mais financiamento para cobrir o rombo. "É comum a pessoa estar no rotativo do cartão, com o cheque especial tomado, e contratar novo empréstimo para tentar cobrir os buracos financeiros. Essa pessoa começa a abrir várias frentes de dívida e aí chega no limite de não conseguir mais crédito e o salário estar completamente deteriorado pelos compromissos financeiros", afirma o coordenador do Programa de Atendimento ao Superendividado do Procon-SP, Diógenes Donizete.


Conforme a Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), do momento em que a Selic chegou em seu patamar mais baixo, de 7,25% ao ano, em outubro de 2012, até abril deste ano, os juros do cartão de crédito e do cheque especial explodiram. No caso da primeira linha, as taxas anuais subiram 102 pontos percentuais e meio, o que representa um crescimento de 53% no custo do empréstimo.


A situação é semelhante no caso do cheque especial, que teve um salto de 60 pontos percentuais na taxa anual. Isso significa um encarecimento de 41,5% em relação há três anos, segundo cálculos da Anefac.


Apesar do já forte aumento de custos de dívidas caras, esse movimento ainda não chegou ao fim. Isso porque o ciclo de aperto monetário do Banco Central ainda não acabou. Conforme o boletim Focus, do BC, que reúne as projeções das principais instituições financeiras, a taxa básica Selic, atualmente em 13,25% ao ano, deve terminar 2015 no patamar de 13,75%. Mas no grupo dos Top 5, das cinco casas que mais acertam os prognósticos, as estimativas máximas já alcançam 14,25%. "Vai piorar para o resto do ano. A perspectiva é de que a Selic aumente e a inadimplência cresça. Então o quadro não é de melhora, mas, ao contrário, de piora", afirma o professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), Keyler Carvalho Rocha.


O impacto desse encarecimento tem se tornado cada vez mais difícil de ser absorvido pelas famílias nos últimos anos, como mostra o indicador do BC relativo ao rendimento médio efetivo das pessoas ocupadas. Segundo a instituição, enquanto os custos com cartão e cheque especial subiram 53% e 41%, a renda ficou estagnada em relação há três anos. Em março deste ano, o valor médio se situou em R$ 1.967,42 ante os R$ 1.965,92, em outubro de 2012.


"Nós nunca tivemos um conjunto de fatores tão negativos ao mesmo tempo", afirma o diretor-executivo da Anefac, Miguel de Oliveira. "As famílias têm sido afetadas por inflação elevada há algum tempo, alta de juros e queda na atividade econômica, com uma recessão esperada para o ano. Esse conjunto acaba trazendo outro grave problema adicional que é o crescimento do desemprego", considera.


Dados do Programa de Administração de Varejo, da FIA (Provar/FIA), e do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) apontam para uma rápida contração na folga dos orçamentos familiares. Segundo pesquisa das instituições, a margem mensal para despesas extras caiu de 10,8%, no último trimestre de 2014, para 9,2% no primeiro trimestre deste ano e deve despencar para 6,1% no segundo período de 2015. "No cenário atual, aumentaram as chances de as pessoas ficarem inadimplentes. Além disso, a elevação do risco de crédito gera um ciclo vicioso porque os bancos aumentam as taxas para compensar esse risco maior de inadimplência", explica o presidente do conselho do Provar/FIA e do Ibevar, Claudio Felisoni.


A maior dificuldade em absorver custos crescentes devido à inflação alta e ao encarecimento do crédito, aliados a uma deterioração no mercado de trabalho, podem funcionar como "alimento após a meia-noite" para as dívidas, que, como os Gremlins, transformam sua natureza e assumem um caráter destrutivo. O cenário tóxico para os orçamentos familiares tem levado ao crescimento da inadimplência.


Segundo o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), o Brasil tem 55,3 milhões de pessoas inscritas em cadastros de proteção ao crédito. O número representa 37,9% da população entre 18 e 95 anos. "A partir de março deste ano houve um repique da inadimplência, pois a piora dos indicadores foi muita rápida e principalmente a piora da confiança", afirma a economista-chefe do SPC Brasil, Marcela Kawauti. "O consumidor brasileiro vive equilibrando pratos e com o cobertor curto cresce a inadimplência", afirma.


Conforme o economista da Serasa Experian, Luiz Rabi, o ritmo de crescimento de negativações está acima do padrão histórico e "deve continuar assim, pelo menos, nos próximos seis meses". De acordo com Rabi, nos primeiros quatro meses do ano o volume de inclusão de devedores nos cadastros de proteção ao crédito aumentou 15% em relação ao mesmo período do ano passado. Esse número está seis pontos percentuais acima da média histórica (9%).


"A inadimplência sofre influência de ações externas, como taxa de juros e de emprego. Se esses valores saírem de controle, podemos ter uma surpresa ainda mais negativa em relação à inadimplência", avalia o presidente da Boa Vista, administradora do (SCPC), Dorival Dourado.


A melhora nos índices de atraso nos pagamentos deve vir apenas em 2016, na análise de Marcela, do SPC. "A gente ainda está vendo a inadimplência que vem de uma época em que se tomou muito credito e, quanto mais a crise passar, mais a restrição de crédito vai ajudar a segurar os atrasos."



Trocar crédito caro ajuda na luta contra a inadimplência


Por Sérgio Tauhata | De São Paulo



Oliveira, da Anefac: "É preciso enquadrar realidade de renda à de despesas"



Para evitar o "efeito Gremlin" sobre as dívidas, ou seja, a transformação do crédito em um fator destrutivo ao orçamento e a consequente inadimplência, não existe fórmula mágica. Especialistas recomendam cortar gastos, ajustar o orçamento, comprar à vista e trocar dívidas caras por linhas mais baratas. "Eu sugiro que as pessoas simplesmente não façam dívidas e se as tiverem procurem liquidá-las", afirma o professor de finanças da Fundação Instituto de Administração (FIA), Keyler Carvalho Rocha. Na análise da economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito Brasil (SPC), Marcela Kawauti, "este ano é um ano de se cuidar. É hora de evitar dívida de longo prazo e privilegiar pagamento à vista".


"Se quiser parcelar em dez vezes, resista. Não é mais fácil esperar seis meses para comprar o produto à vista?", questiona o coordenador do Programa de Atendimento ao Superendividado do Procon-SP, Diógenes Donizete. Na visão do especialista, o consumidor precisa ponderar cada gasto que pretende fazer. A regra de ouro, de acordo com o especialista, é que a soma dos financiamentos não supere 30% da renda do consumidor. "Se ultrapassar esse limite está entrando num caminho perigoso."


Conforme o diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, a primeira providência é colocar no papel a renda da família e as despesas. "Os consumidores precisam visualizar os gastos e realmente enxugar custos, ou seja, enquadrar sua realidade de renda à realidade de despesas", explica. Para o especialista, alguns hábitos, como ir a restaurantes, podem ser reescalonados ou até mesmo interrompidos temporariamente.


O segundo passo, segundo Oliveira, consiste em trocar dívidas caras, especialmente as pós-fixadas, como o rotativo do cartão de crédito e o cheque especial, por linhas mais baratas. "As melhores alternativas, em termos de taxas, são os consignados e depois os empréstimos pessoais", aponta. O especialista cita ainda modalidades em que o consumidor oferece um bem como garantia, como linha de crédito com garantia de imóvel ou refinanciamento de veículos, e as taxas são melhores. "É bom a pessoa se antecipar, porque quando ocorre a inadimplência, não vai ter o crédito novo aprovado", alerta Marcelo Monteiro, diretor da PH3A, especializada em sistemas de recuperação de crédito.


Caso o consumidor já não consiga mais pagar em dia os empréstimos, seja por redução na renda ou um evento como perda de emprego, não existe alternativa senão renegociar as dívidas, considera o diretor da Anefac. "Nessa situação, é necessário ter uma atitude proativa e chamar os credores, como bancos, operadora do cartão e lojas, para reestruturar a dívida", diz Oliveira. A ideia é que o devedor saia com um acordo no qual consiga um prazo mais longo e uma taxa de juros mais baixa.


De acordo com Monteiro, da PH3A, nos períodos de crise, quando a inadimplência fica pressionada, as instituições tendem a ser mais receptivas às renegociações. "À medida que o cenário fica mais sombrio, a tendência é que as condições de negociação se tornem mais flexíveis e o cliente consiga fazer uma negociação mais proveitosa do que no passado", diz.


O especialista lembra ainda que o consumidor pode ficar atento às promoções e eventos de renegociação de dívidas, em geral mais frequentes no segundo semestre. "As campanhas com adesão de grandes bancos e financeiras representam uma oportunidade de resolver as pendências, com propostas mais maleáveis e mais generosas de pagamentos."


Em situações de superendividamento, quando, na definição do Procon-SP, as dívidas comprometem tanto a renda que não sobra o suficiente para as despesas básicas, "a primeira dica é não se angustiar", pondera Donizete. O especialista recomenda ao superendividado procurar ajuda de um profissional ou um núcleo de tratamento, como o do Procon-SP. "Nós fazemos um diagnóstico dos casos. A pessoa passa por uma entrevista e preenche uma planilha com todos os gastos para verificar o que pode ser cortado", explica. Esse processo ajuda o consumidor a obter uma reserva financeira para poder negociar. "Em cima desse valor X que sobra vamos procurar o credor para renegociar as dívidas. O endividado deve entender que é mais vítima do que culpado."


Palavras Chave Encontradas: Serviço Central de Proteção ao Crédito
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.