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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 12-05-2015 - 07:50 -   Notícia original Link para notícia
Corte sem fim na indústria

LINO RODRIGUES


lino. rodrigues@ sp.oglobo.com. br


Fabricantes de eletrodomésticos e montadoras demitem 50 mil este ano


"O consumidor está com medo de perder o emprego e não compra esses produtos mais duráveis. Ele só não deixa de comprar alimentos"
Wilson Périco
Presidente do Ciam


Entre janeiro e abril, fábricas de São Paulo, da Zona Franca e da Região Sul fizeram fortes reduções de postos de trabalho. Especialistas acreditam que taxa de desemprego, hoje em 7,9%, pode superar os 10% até o fim de 2015



MARCOS ALVES Crise. David Ossa, que fora demitido em 2009, perdeu novamente o emprego: "A situação não está nada fácil"


A alta da inflação e dos juros, que levou os consumidores a adiar a compra de produtos mais caros, provocou uma onda de demissões entre montadoras e fabricantes de eletrodomésticos. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que 50 mil vagas foram fechadas este ano, informa LINO RODRIGUES. A Whirpool, dona das marcas Consul e Brastemp, demitiu 3 mil. No ABC paulista, houve corte de 3.200 postos de trabalho nas montadoras de automóveis, além de 2.600 demissões entre fabricantes de autopeças. Fábricas da Zona Franca de Manaus e da Região Sul também reduziram seus quadros. O economista Clemente Ganz Lúcio, do Dieese, prevê que o desemprego, hoje em 7,9% segundo o IBGE, vá superar 10%. -SÃO PAULO- Desde o início do ano, uma onda de demissões atinge com força boa parte das indústrias de bens duráveis, principalmente os fabricantes de eletrodomésticos, eletrônicos e automóveis. Levantamento realizado pelo GLOBO mostra que pelo menos 50 mil vagas foram fechadas entre janeiro e abril nesses setores. Na Zona Franca de Manaus, que concentra a maior parte da produção nacional de eletroeletrônicos, os cortes de pessoal começaram logo após a Copa do Mundo, no ano passado. De acordo com Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias do Amazonas (Ciam), de outubro a fevereiro 10 mil trabalhadores haviam sido demitidos - somando-se março e abril, são mais de 15 mil postos cortados.


Os fabricantes de televisores Samsung e LG; a Whilrpool, dona das marcas Brastemp e Consul; e as montadoras de motocicletas foram as empresas que mais demitiram. Na Whilrpool, além da fábrica de Manaus, os cortes atingiram as unidades de Joinville ( SC) e Rio Claro (SP). Ao todo, a empresa eliminou três mil vagas.


- Não temos (boas) expectativas para este ano. O consumidor está com medo de perder o emprego e não compra esses produtos mais duráveis. Ele só não deixa de comprar alimentos - avalia Périco, lembrando que muitas empresas do polo industrial estão se preparando para colocar cerca de oito mil trabalhadores em férias coletivas a partir deste mês.


O temor do desemprego, a inflação alta e a queda do consumo diante das incertezas sobre a extensão do ajuste fiscal são fatores citados pelos economistas para o movimento de corte de pessoal na indústria. A difícil situação do emprego no setor de bens de consumo é apenas parte de um quadro de dificuldades muito maior no mercado de trabalho, afirma Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese):


- O nível de desemprego, a persistir esse quadro, deve ficar de dois a três pontos acima do registrado no ano passado. Isso significaria que o desemprego medido pela Pnad Contínua do IBGE, hoje em 7,9%, pode passar de 10% até o fim do ano. No caso da taxa do Dieese, que se situa em 10%, pode chegar a 13%.


De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), houve uma queda de 15,5% na produção das empresas do setor no primeiro trimestre, agravando o quadro de 2014, quando 6,1 mil postos de trabalho foram eliminados. Outros 1.030 empregados do setor perderam o emprego entre janeiro e março.


- As medidas que foram tomadas até agora só geraram insegurança nas empresas e nos trabalhadores, além de demostrar que o governo está mais preocupado em fazer caixa do que em fazer a economia voltar a crescer - queixa-se Humberto Barbato, presidente da Abinee.


Para o economista Fernando Zilveti, da FGV/ Eaesp, o cenário ruim no mercado de trabalho reflete também a inabilidade do governo e das medidas que estão sendo adotadas:


- O ajuste (fiscal) é necessário, mas, até agora, o resultado foi um agravamento da crise. O governo fez um anúncio desastroso e passou insegurança para o mercado. É hora de repensar as medidas e tentar sair da crise demonstrando segurança ao mercado.


No Rio Grande Sul, os metalúrgicos da General Motors ( GM) acompanham com apreensão as decisões da matriz, em São Paulo, que reduziu a produção e vem recorrendo a


lay off (suspensão temporária do contrato de trabalho) e férias coletivas para ajustar a produção à baixa demanda - além do fim do benefício de redução do IPI. No Sindicato dos Metalúrgicos de Gravataí, as homologações de dispensas da GM já somam 500 desde outubro, passando de mil nos últimos 12 meses.


- Estamos muito preocupados com essa situação, e as perspectivas do mercado não são boas. Vamos começar uma campanha pelo emprego, para que os empresários não fiquem à vontade para demitir - afirma Valcir Ascari, presidente do sindicato, ressaltando, porém, que o momento é de cautela e negociação, porque o trabalhador ameaçado de demissão tem medo de se expor em um possível enfrentamento com as empresas.


Na região de Campinas, no interior de São Paulo, onde estão as fábricas da Toyota, da Honda e da Mercedes, além de grandes empresas do setor eletroeletrônico, como Samsung e Foxconn (que produz para a Apple), o sindicato local informa que, em 2014, foram demitidos 5.433 trabalhadores. E os cortes prosseguiram este ano: entre janeiro e abril, 450 vagas foram fechadas.


- Os empresários estão aproveitando essa crise política e econômica para demitir e reduzir direitos trabalhistas - diz Sidalino Orce Júnior, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região.


CONCESSIONÁRIAS TAMBÉM ELIMINAM VAGAS


Segundo o sindicalista, o caminho para evitar a demissão em massa é a mobilização. Ele cita a greve na Volkswagen no ABC, que, depois de dez dias de paralisação, levou a empresa a reconsiderar a demissão de 800 trabalhadores.


Em função do poder de mobilização dos trabalhadores, no ABC paulista, as montadoras já praticamente esgotaram as medidas de flexibilização do emprego ( lay off, férias coletivas e licenças remuneradas) para evitar demissões. Mesmo assim, a Anfavea, associação que reúne as montadoras, contabilizou 4.900 trabalhadores demitidos entre janeiro e abril.


Somente na base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, 3.198 vagas foram eliminadas nas montadoras. Outros 2.588 trabalhadores foram demitidos das empresas de autopeças. Tanto a Anfavea quanto o sindicato dizem que a maior parte dos demitidos aderiu aos programas de demissão voluntária (PDV) das montadoras. Nas autopeças, os benefícios se restringiram aos previstos por lei.


Ainda ontem. cerca de 4 mil trabalhadores da Volvo no Brasil entraram em greve após a companhia sueca iniciar negociações com 600 funcionários na fábrica de Curitiba sobre cortes salariais. A Volvo cita a forte queda na demanda por caminhões e está propondo que os trabalhadores mantenham seus empregos até o fim do ano, só que com salários mais baixos.


E a crise do setor automotivo já chegou às concessionárias de veículos, que, com queda nas vendas, eliminaram 12 mil postos de trabalho nos quatro primeiros meses do ano. Dados da Fenabrave, que reúne as revendedoras autorizadas, apontam que, no mesmo período, foram fechadas 250 concessionárias, número que deve atingir 258 até o fim do ano.


Na região de São Paulo, Guarulhos e Mogi das Cruzes, o Sindicato dos Metalúrgicos apurou 5.327 demissões entre janeiro e março, o que significa uma média diária de 150 homologações. O técnico em eletrônica David Reinaldo Abarca Ossa, de 51 anos, foi um dos demitidos em uma empresa de manutenção preventiva de equipamentos eletrônicos, na qual trabalhou por dois anos. Em 2009, no auge da crise financeira global, Ossa perdera o emprego pelos mesmos motivos.


- A situação não está nada fácil, mas acredito que nessa área que trabalho tenha mais chance de conseguir um novo emprego. Como tenho bastante, experiência acho que vou conseguir - conta Ossa, que na última quinta-feira foi ao sindicato assinar a rescisão.


Na indústria de máquinas e equipamentos, setor que vem passando por dificuldades há pelo menos dois anos, o desemprego atingiu 12.524 pessoas entre março de 2014 e março deste ano, uma redução de 4,9%. Em 2011, o setor empregava 260.700 trabalhadores, 20 mil a mais.


Produção de eletrodomésticos encolheu 22,9% no primeiro trimestre


Com fim do IPI reduzido e juro alto, setor tem 12 meses seguidos de perdas


Na crise da indústria brasileira, o setor de eletrodomésticos é um dos mais afetados. A produção caiu 22,9% no primeiro trimestre do ano - para um recuo de 5,9% da indústria geral - diante da menor confiança do consumidor e a piora do mercado de trabalho. O setor amarga quatro trimestres seguidos de perdas na comparação com igual período do ano anterior, segundo dados da Pesquisa Industrial Mensal do IBGE.


O desempenho nos três primeiros meses de 2015 indica uma deterioração, já que no ano passado a produção de eletrodomésticos teve queda de 1,6%. O movimento segue a tendência observada na produção de automóveis, que recuou 16,1% no primeiro trimestre - a sétima taxa negativa frente a igual trimestre do ano anterior. Na categoria bens de consumo duráveis, a perda foi de 15,8% no primeiro trimestre, a quarta taxa negativa.


- O setor sofre desde a retirada dos incentivos do IPI menor. O baixo nível de confiança do consumidor e o mercado de trabalho mais restrito atingem em cheio os bens de consumo duráveis. É um setor mais sensível ao crédito, tanto pelo encarecimento como pelo acesso mais restrito - afirma o gerente da Coordenação de Indústria do IBGE, André Luiz Macedo, responsável pela pesquisa.


Na chamada linha branca - grupo que inclui geladeiras, condicionador de ar, fogão e lavadora de roupa -, o recuo foi de 7,7%. É o segundo trimestre seguido de queda, frente a igual trimestre do ano anterior. Já na linha marrom - que reúne televisões e aparelhos de som, por exemplo - a queda foi maior, de 36,2%. Nesse caso, no entanto, o resultado é influenciado principalmente por causa da base de comparação elevada. O início de 2014 foi de forte aumento na produção de TVs por causa da Copa do Mundo.


FÁBRICA NO CEARÁ CORTA GASTOS


O segmento de móveis também caiu 6,6% entre janeiro e março de 2015, frente a igual período do ano passado, a quinta taxa negativa seguida. O único grupo dentro de eletrodomésticos no campo positivo é o de outros eletrodomésticos - formado por eletroportáteis como batedeiras e liquidificador, por exemplo -, com alta de 9,9%.


- O setor de eletrodomésticos vinha de um forte crescimento desde 2008. Com a melhora nos salários e no emprego, as pessoas foram às compras, apesar do juro elevado. Mas o setor começou a dar sinais de esgotamento no ano passado, e agora a tendência é claramente de enfraquecimento. Com endividamento das famílias e o mercado de trabalho afetado, o consumidor deixa de ir às compras - diz o economista da GO Associados Fabio Silveira.


Os números do IBGE refletem o dia a dia da realidade na indústria de bens de consumo duráveis no país. Na Esmaltec - que fabrica fogões, refrigeradores e máquinas de lavar roupa em Maracanaú, no Ceará -, foi preciso recorrer a cortes de despesas para se adequar ao novo momento, o que inclui demissões no primeiro trimestre do ano, cujo número total não é revelado.


- Entendemos que as medidas já implementadas na economia, e outras que ainda serão, afetaram e afetarão tanto o bolso do consumidor como a confiança dele, o que poderá afetar também o desejo de consumo. Além disso, a queda de emprego que já está acontecendo restringirá o consumo - afirma o gerente de marketing da Esmaltec, Marcelo Campos Pinto.


Fabio Silveira, da GO Associados, estima que o setor levará pelo menos um ano para reagir à crise. Ele lembra que as taxas do segmento tendem a ser maiores que a do PIB, seja no momento de alta ou de queda.



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