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Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil - 09-04-2015 - 09:04 -   Notícia original Link para notícia
Levy completa cem dias como articulador e fiador do governo

Por Tainara Machado, Flavia Lima e Marta Watanabe | De São Paulo


O grupo que apostou em divergências cada vez mais acirradas entre o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e a presidente Dilma Rousseff perde, ao menos por enquanto. Em cem dias no governo, Levy anunciou um ajuste fiscal de mais de R$ 100 bilhões e resgatou as bases do tripé macroeconômico, formado por regime de metas de inflação, câmbio flutuante e maior esforço fiscal, afirmam especialistas ouvidos pelo Valor.


Com o aval da presidente, Levy se tornou o fiador do governo junto ao mercado, ao tomar medidas consideradas surpreendentes por irem na contramão da política econômica adotada no mandato anterior. Estão nesse campo a afirmação de que aportes do Tesouro para bancos públicos não são mais "instrumentos de política econômica", o "realismo tarifário" que já encareceu as contas de luz em 36% apenas em 2015 e o corte dos subsídios contidos na desoneração da folha de pagamentos - que depende de aprovação no Congresso, parte mais delicada do ajuste.



Mas apesar de elogiarem o escopo das medidas anunciadas e a disposição do ministro em persegui-las, economistas avaliam que o ajuste fiscal repete a fórmula tradicional de austeridade, bastante cíclica, com aumento de impostos e corte de investimentos. Em uma economia que já estava frágil, os resultados desse programa podem demorar mais a aparecer do que em outros períodos, como 2003, enquanto os entraves políticos para aprovação de parte das medidas retardam a redução de incertezas.


Neste cenário, as expectativas de crescimento continuaram a piorar no longo prazo. Economistas consultados pelo boletim Focus em 27 de novembro, quando a indicação de Levy para a Fazenda foi formalizada, esperavam que o país crescesse 2,3% entre 2016 e 2018, média que caiu para 1,8% no fim da semana passada. A percepção é que essa piora é "esperada" em meio a um ajuste ainda não concluído, e que os primeiros sinais de melhora devem ser sentidos no mercado financeiro para só depois atingir a economia real.


Para Carlos Kawall, economista-chefe do Banco Safra, o trabalho de Levy foi colocar o trem de volta aos trilhos, depois de quase descarrilar no ano passado. "Completamos cem dias de governo com quase todas as ações tomadas. Claro que falta aprovação no Legislativo ou controle no dia a dia pela Fazenda, mas a política econômica está desenhada. Todas as batalhas foram enfrentadas ao mesmo tempo", diz.


Embora a equipe econômica complete cem dias de trabalho no sábado, lembra Kawall, o esforço de reorientação da política econômica começou antes, ainda em dezembro. Entre as medidas anunciadas no fim do ano passado estão as mudanças nos benefícios previdenciários e redução de subsídios ao crédito, com aumento da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Ao longo do primeiro trimestre, Levy anunciou ainda o fim dos aportes à Conta de Desenvolvimento Energético, um pacote de aumento de impostos de R$ 20 bilhões e a redução da desoneração sobre a folha. "Mesmo conhecendo a determinação dele [Levy], a quantidade de ações surpreendeu até quem imaginava um ajuste menos gradual", diz Kawall.


Além de atacar na frente fiscal, Margarida Gutierrez, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também exalta o realinhamento de preços relativos, com correção de itens administrados e sinalização de que o governo está confortável com taxa de câmbio mais desvalorizada. Em sua avaliação, houve recuperação das bases do tripé macroeconômico perseguido até 2011.


Essa atuação mais ampla, afirma Margarida, parece vir do reconhecimento, por parte da presidente, de que "é importante ter disciplina fiscal, controlar a inflação e deixar o câmbio flutuar".


Christopher Garman, diretor da consultoria americana Eurasia Group, considera que o ministro tem hoje quase uma "carta branca" para atuar, a despeito de algumas preocupações. "É para valer", diz, em referência às condições dadas por Dilma Rousseff para o ministro Levy conduzir a economia.


Segundo Garman, em momentos de crise econômica, o papel do ministro da Fazenda tende a aumentar e nesse caso não é diferente. "Aqueles que apostaram que a presidente restringiria a atuação dele como um secretário do Tesouro tinham um diagnóstico errado."



Mesmo entre os economistas de perfil heterodoxo, a avaliação é que Dilma e Levy estão afinados, o que não significa concordância integral com as mudanças. "Avaliar esses cem dias é difícil, mas é possível dizer uma coisa: o rumo do país não está claro", afirma o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa. Para ele, que votou em Dilma nas últimas eleições e manteria o seu voto, não há muita originalidade na presença do Levy no governo. De certo modo, diz Lessa, a presidente apenas repete o modelo que Lula adotou em seu primeiro mandato, quando Palocci, então ministro da Fazenda, tocou uma política de ajustes neoliberais para "tranquilizar" o mercado financeiro.


Francisco Lopreato, professor da Unicamp, é ainda mais crítico. Ele avalia que existiam correções a serem feitas, como no caso do seguro-desemprego e até mesmo na atuação do BNDES, mas o que se está propondo é uma reversão do modelo anterior, com redução do papel dos bancos públicos na economia e corte de investimentos, que vão aprofundar a fraqueza da economia. A saída, em sua avaliação, seria reforçar o papel do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, no governo, para que os investimentos públicos voltem a ganhar centralidade e a agenda de concessões enfim deslanche.


Margarida, da UFRJ, concorda com Lopreato em relação ao papel das concessões como "luz no fim do túnel", mas ressalta que "não dá para fazer todos os ajustes necessários e crescer ao mesmo tempo". Ela exalta a opção de Levy, que foi "a salvação do país". Kawall, do Safra, estranha a cobrança por uma agenda de crescimento. "É um cacoete da antiga política econômica", diz. A atividade ainda não chegou ao fundo do poço, mas deve melhorar em algum momento com maior previsibilidade, confiança no arcabouço econômico e redução da inflação. O processo, porém, leva tempo. "É fácil perder a confiança, difícil é reconstruí-la". A recessão que se avizinha é o principal desafio para Levy, mas Kawall acredita no cumprimento da meta fiscal, mesmo que novas medidas pelo lado da receita precisem ser adotadas.


Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo, também enfatiza a dificuldade de se fazer ajuste fiscal com ambiente de retração da economia, mas é mais cético. "Ajuste com recessão é impossível. Vai ser milagre se o primário deste ano foi de 0,9% do PIB", diz. Silber elogia a atuação de Levy, mas comenta que o ajuste se centra em corte de investimentos e aumento de impostos, o que é ruim para a economia no médio prazo.


Para Garman, da Eurasia, o desafio de Levy hoje está fora do Executivo. O risco maior, diz ele, é o tamanho do estrago que a Lava-Jato pode causar à economia real, gerando paralisação do ciclo de investimentos e empurrando a economia para uma recessão mais profunda. A relação com o Congresso é uma dificuldade, mas Garman não acredita que a intenção do PMDB seja gerar uma crise de governabilidade. "Eles estão barganhando para ter mais poder e influência e esse é preço que vai ter que ser pago para obter apoio parcial ao ajuste fiscal".


O secretário de Fazenda do Estado de São Paulo, Renato Villela, também destaca a importância que o ingrediente político assumiu. O tratamento poderia ser "mais expedito e organizado" por parte do Congresso com um ajuste que é importante. "O que não se esperava era que a equipe econômica tivesse que fazer também a costura política. Isso é algo inédito".


Não há receio, diz ele, de que esse envolvimento maior no embate político de Levy, por exemplo, traga desgaste para a política econômica ou alguma apreensão adicional em relação às medidas. "O desgaste é para as pessoas que estão trabalhando muito e mais do que poderiam. Mas esse é o Brasil de hoje e é o que se tem de fazer."


Mão forte fecha o caixa, mas ainda perde na negociação política



Por Leandra Peres | Brasília


Os cem dias do ministro Joaquim Levy no Ministério da Fazenda podem ser definidos pelo aumento de impostos, a habilidade exemplar de fechar os cofres e a dificuldade nada trivial de fazer andar as medidas do ajuste fiscal que dependem do Congresso Nacional e sem as quais o ministro não atingirá a meta de um superávit primário de 1,2% do PIB este ano. Neste período, o ajuste fiscal deixou de ser uma proposta eleitoral da oposição para ocupar o coração do governo.


Uma análise das decisões implementadas até agora pelo ministro e sua equipe mostra que foram adiante aquelas que dependiam exclusivamente de decisões administrativas. Na articulação política, Levy perdeu bem mais do que ganhou.



O governo já aumentou R$ 22,6 bilhões em impostos este ano, com efeitos que serão amplificados em 2016. Conteve a liberação dos gastos discricionários no Orçamento aos mesmos níveis de 2013, decisão que, se for mantida ao longo do ano, implica um contingenciamento de R$ 57,5 bilhões. Só os investimentos do governo no PAC acumularam um corte de 37,1% no primeiro bimestre.


A Fazenda também suspendeu repasses do Tesouro ao setor elétrico, que apenas este ano estavam orçados em R$ 9 bilhões, e levou adiante aumentos de tarifas que superam 40% em média; não autorizou novos aportes ao BNDES e reduziu os subsídios às empresas com aumentos da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP).


Centralizador, Levy montou uma equipe de técnicos que lhe é extremamente fiel. Seus auxiliares são proibidos de dar entrevistas e o último aumento de impostos foi explicado por meio de nota à imprensa. O ministro questiona a memória de cálculo das planilhas que recebe, é um chefe exigente, trabalha longas horas e tem um senso de humor peculiar: muitos de seus subordinados não sabem dizer quando ele é irônico, quando fala sério.


Passado o Carnaval e chegada a hora de negociar a aprovação das medidas de ajuste fiscal que mexem com benefícios trabalhistas, a postura inicial do ministro Levy foi tratar a negociação política como responsabilidade dos articuladores do governo no Congresso. O desarranjo neste campo, no entanto, alçou Levy ao posto de negociador político.


"Pouco conhecedor", "ingênuo" ou "verde" são alguns dos adjetivos usados pelos líderes com quem Levy tem contato mais direto no Congresso. Não que isso o tenha detido. O ministro segue gostando do papel de articulador. Conseguiu um acordo para correção da tabela do Imposto de Renda que reduziu a despesa do governo este ano e a transferiu para 2016.


Decidido a não tratar da renegociação das dívidas estaduais, esta talvez tenha sido a maior lição política dada ao ministro da Fazenda nestes cem dias. Avisado de que o Rio de Janeiro tinha conseguido uma decisão judicial em favor da renegociação, Levy insistiu, em jantar com a cúpula do PMDB, que só faria a revisão obrigado por lei.


O Congresso estava pronto para votar a lei exigida pelo ministro nos dias seguintes ao jantar. Ao ministro, só restou recuar: agora aceita tratar do assunto e até costurou um acordo, ainda provisório, para que a renegociação seja feita em 2016. O Senado também aprovou, apesar de haver prometido a Levy esperar, o projeto que permite aos Estados regularizar os incentivos fiscais concedidos para atrair investimentos.


A redução na desoneração da folha de pagamentos das empresas é outro episódio emblemático da gestão Levy. Feita por meio de medida provisória e anunciada pelo ministro como uma forma de mostrar às agências internacionais de avaliação de risco a disposição do governo em fazer o ajuste, não foi aceita pelo Congresso, que obrigou o envio de um projeto de lei. O ministro, que classificou a concessão do benefício durante o primeiro mandato da presidente Dilma como uma "brincadeira", será obrigado a ceder e não há clareza se o Congresso aprovará a medida. As regras de concessão do seguro desemprego, pensões por morte, abono salarial e seguro defeso devem ser aprovadas com alterações pelos parlamentares. O governo não economizará os R$ 18 bilhões que esperava.


Sob os holofotes, na discussão pública, Levy coleciona nestes cem dias pelo menos sete derrapadas, que exigiram notas de esclarecimento e declarações contemporizadoras da presidente Dilma Rousseff. Se fosse um ministro qualquer, a famosa irritação da presidente já o teria atingido. Mas, se Levy assumiu em janeiro cercado por dúvidas sobre o apoio que teria da presidente para levar adiante o ajuste fiscal, hoje, mesmo os que acham que se trata de uma necessidade e não de uma conversão, admitem que Levy tem respaldo presidencial para agir. E agora que o ajuste fiscal é uma política de governo, Levy é sua personificação.


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