Leitura de notícia
Isto é Dinheiro online ( Economia ) - SP - Brasil - 04-04-2015 - 11:24 -   Notícia original Link para notícia
Hora de mudar o foco


No início da tarde da segunda-feira 30, cerca de 600 empresários degustavam a sobremesa - banana assada com sorvete de creme -, em um hotel na zona sul de São Paulo, quando o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, deixou a plateia inquieta e decepcionada. Levy tergiversou ao responder duas perguntas dos convidados feitas pelo anfitrião do almoço, João Doria Jr., presidente do Grupo de Líderes Empresariais (Lide). A primeira indagação era sobre cortar parte dos 39 ministérios. "Esse tema não é exatamente da área econômica", afirmou o ministro.


Na sequência, ele não conseguiu explicar se o BNDES continuará financiando obras em Cuba, Venezuela e Bolívia, num contexto em que o banco estatal está reduzindo os subsídios para as companhias brasileiras. "Eu não sei se eu sei responder essa pergunta." De fato, não sabia e deixou os representantes do setor produtivo frustrados. "O ministro não respondeu aos principais questionamentos", diz Wilson Périco, presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam). "A máquina pública está muito inchada e o governo gasta mal e muito mais do que deve."


Na prática, Levy desperdiçou uma das principais armas da equipe econômica para reconquistar a confiança dos investidores: a comunicação. Desde que assumiu o cargo, no começo do ano, Levy vem colecionando declarações polêmicas que causaram atritos com a presidente Dilma Rousseff. Em fevereiro, ele chamou de "brincadeira" a política de desonerações implementada nos últimos anos. No dia 24 de março, afirmou a uma plateia de alunos da Universidade de Chicago que Dilma tem um "desejo genuíno de acertar, mas não da maneira mais efetiva".


A própria presidente Dilma se apressou em minimizar o mal estar. "O que Levy falou está dentro de um contexto", disse Dilma. Porém, quem conhece ou teve a oportunidade de conversar com Levy nos últimos anos, quando era um executivo do Bradesco, sabe que o ministro reprova a política econômica do primeiro mandato da presidente. Desmontar essa política, arrumar a casa e preparar o País para a retomada são, portanto, missões caras para ele. E os empresários cobram isso dele. Antes do início do evento empresarial, em São Paulo, os convidados nutriam uma enorme expectativa sobre a fala de Levy.


"Esperamos do ministro uma palavra de confiança, pois estamos num ambiente de muita incerteza", disse Tarcisio Gargioni, vice-presidente da companhia aérea Avianca, durante o coquetel de entrada. Para o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), Lourival Kiçula, o sucessor de Guido Mantega é "um cara brilhante", mas precisa abrir mais o jogo. "A expectativa é a de que ele nos conte como é que vamos dividir a conta do ajuste fiscal", afirmou Kiçula. Ao seu modo, o ministro tentou convencer os empresários.


Ele falou durante uma hora e 15 minutos sobre o ajuste fiscal, com uma linguagem visual diferente das exibidas em suas recentes palestras. Em dois slides, foi utilizado um carimbo vermelho para destacar a mensagem principal, no estilo das histórias em quadrinhos de super-heróis da Marvel. No primeiro carimbo, a frase "nenhum novo imposto!!!" com três exclamações. A reação de um empresário do setor de construção, que estava em uma mesa ao fundo do salão, foi imediata. "Nenhum novo imposto, mas está aumentando os antigos", afirmou. No outro carimbo, a frase "manter o investment grade!!!", novamente com três exclamações.


"A gente não pode errar", afirmou Levy, que considera fundamental o País reverter o quadro de deterioração fiscal e das contas externas para não perder o selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de risco. O desapontamento dos empresários decorre da percepção de que a maior parte do ajuste recairá sobre o setor produtivo, através do aumento de impostos. "Até agora eu vi muito pouco o governo fazer a parte dele, diminuindo efetivamente as despesas", afirma Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).


Os representantes do PIB acham que é hora de mudar o foco do ajuste, com um esforço maior do governo. Levy garante que não é bem assim e até utilizou a expressão "cortando na carne", na sua apresentação, ao garantir uma redução de 30% dos gastos. O ministro detalhou as mudanças na política econômica e a estratégia do governo para fazer o Brasil voltar a crescer, incluindo mais uma leva de concessões de infraestrutura e a busca de novos mercados no exterior. Pouco falou, no entanto, da crise política entre o Executivo e o Legislativo, que pode inviabilizar a aprovação do pacote fiscal.


"A aprovação do ajuste é condição sine qua non para o Brasil voltar a crescer em 2016", diz Rômulo Dias, presidente da Cielo. A preocupação com as barreiras que podem ser criadas pelo Congresso Nacional levou o ministro da Fazenda a assumir o papel de articulador político do governo. Uma das "bombas fiscais" é a renegociação das dívidas com Estados e municípios, que custaria R$ 3 bilhões somente neste ano aos cofres públicos. Parece pouco, mas a quantia representa quase 5% da meta fiscal de 2015, de R$ 66,3 bilhões (1,2% do PIB).


Ciente de sua missão, Levy deixou rapidamente o almoço com os empresários, em São Paulo, e foi a Brasília para um encontro com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que inicialmente não estava previsto na sua agenda. No dia seguinte, o ministro falou durante sete horas em uma audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), na qual fez um apelo ao bom senso dos parlamentares. O esforço deu certo e a votação do projeto da renegociação das dívidas foi adiada. Levy propôs que a correção dos débitos só seja feita a partir de 1º de fevereiro do ano que vem, quando já for conhecido o resultado fiscal de 2015. Nesse caso, Estados e municípios seriam ressarcidos pelo valor pago a mais neste ano. Enfim, um acordo.


ROMBO RECORDE Levy sabe que não tem tempo a perder, pois os resultados fiscais estão muito ruins. Na terça-feira 31, o Tesouro Nacional divulgou um rombo de R$ 7,4 bilhões em suas contas, incluindo a Previdência Social e o Banco Central. Foi o pior resultado da série histórica iniciada em 1997. Além de encontrar dificuldade para conter os gastos - as despesas cresceram 13,7% em termos nominais, na comparação com fevereiro de 2014 -, o governo não está conseguindo ampliar a arrecadação devido à estagnação da economia. Apesar do esforço de Estados e municípios, que economizaram R$ 5,2 bilhões em fevereiro, o resultado do setor público consolidado ficou no vermelho, sem contar os gastos com juros.


"As medidas fiscais ainda não impactaram os números de fevereiro", diz Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do BC. "Resultados mais favoráveis devem vir mais para a frente." A deterioração das contas públicas reforça a urgência na aprovação do pacote fiscal. "Um trimestre discutindo, para mim, chega. Está bom", afirma Rui Goerck, vice-presidente da Basf. "Não podemos estender essa conversa por mais três meses." Enquanto isso, uma sucessão de notícias negativas aumenta a pressão sobre a equipe econômica. Na quinta-feira 1º de abril, o IBGE revelou que a produção industrial brasileira encolheu 0,9%, em fevereiro, em relação a janeiro, e caiu 9,1% na comparação com o mesmo período do ano anterior.


Para complicar ainda mais o cenário, o segmento de bens de capital, termômetro dos investimentos, acumula retração de 13,5%, nos últimos 12 meses. "Vamos piorar um pouco antes de melhorar", diz, resignado, Besaliel Botelho, presidente da Bosch na América Latina. "O importante é o day after do ajuste." Se depender do clima empresarial, medido no evento do Lide, a retomada ainda vai demorar a acontecer. Numa escala de zero a dez pontos, a confiança está em 2,2 pontos, o menor patamar desde que a pesquisa começou a ser feita, em 2003. E a nota do governo Dilma Rousseff é de apenas 0,7 ponto - isso mesmo, menos de um ponto. Levy tem razão: o tempo urge e não há espaço para erros.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.