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Valor Online ( Especial ) - SP - Brasil - 19-03-2015 - 09:15 -   Notícia original Link para notícia
Ajuste está aquém do necessário, diz Arminio

Por Claudia Safatle e Alex Ribeiro | De BrasíliaO economista Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central: "O conjunto de medidas de que nós estamos falando faria o Brasil crescer a 4% mole, mole"


Para Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio da Gávea Investimentos, a meta de superávit primário perseguida pela equipe econômica é insuficiente para estancar o aumento da dívida bruta diante da alta dos juros e da deterioração das perspectivas de crescimento da economia. Para colocar a dívida (tanto líquida quanto bruta) em trajetória de queda como proporção do PIB, seria necessário resultado primário superior a 3% do PIB.


Em entrevista ao Valor, ele diz que no ano passado, quando foi o principal assessor econômico da campanha de Aécio Neves (PSDB), seus cálculos indicavam necessidade de um ajuste fiscal de 3% do PIB, a ser alcançado ao longo de três anos, até 2017.


De lá para cá, as premissas usadas perderam a validade. A equipe que elaborou o programa de Aécio previa a recuperação da economia já no segundo semestre deste ano e reformas que levariam a capacidade de expansão do Produto Interno Bruto (PIB) para 3% a 4% ao ano. Os juros reais seriam de cerca de 4% ao ano.


Hoje, o governo paga 6,5% reais ao ano na dívida pública, e a média de crescimento da economia tende a ficar em 1% no segundo mandato de Dilma Rousseff, afirma. "A continuar nesse passo, a dívida chegará a 100% do PIB rapidamente, em quatro a cinco anos."


Arminio diz que o governo deveria "fazer mais e melhor" e cuidar da qualidade do ajuste, preservando investimentos públicos e fazendo reformas pró-crescimento, para restabelecer a confiança e expandir o PIB. "O receio é que se fique no pior dos mundos. Faz um certo ajuste, mas o investimento não decola", afirma. Ou seja, aprofunda a recessão "e ainda vão dizer que foi culpa da austeridade; que foi pouca e mal feita."


A seguir, os principais trechos da entrevista:


Valor: A guinada na política macroeconômica coloca o país no caminho certo?


Arminio Fraga: O caminho geral de fazer um ajuste após as eleições, com grandes desafios nas áreas fiscal, monetária, cambial e, igualmente importante, ajustes setoriais, está sendo parcialmente atendido. Mas, infelizmente, o que estamos vendo hoje está longe do necessário.


Valor: Por que?


Arminio: Na área fiscal, existe uma necessidade quantitativa e qualitativa bastante grande. Não é fácil fazer essa correção quando a gestão máxima do país continua nas mesmas mãos. Isso cria constrangimentos. Penso que o ajuste poderia até ser feito ao longo de três anos, mas teria que ser maior. Esse é o lado fiscal.


Valor: E como andam os outros ajustes macroeconômicos?


Arminio: Na área monetária, penso que é saudável essa inflação corretiva. Mas faz tempo que anda acima de 6%. É esperado que a inflação neste ano suba. O objetivo de chegar a 4,5% no ano que vem é bastante ambicioso, mesmo com o estado lastimável da economia. Esse é o desafio número dois.


Valor: Quais são os demais?


Arminio: No balanço de pagamentos, e aqui eu concordo parcialmente com o governo, existe um problema no preço de nossas exportações que é bastante sério. Isso não ajuda. Hoje o Brasil, apesar de estar com nível de atividade muito fraco, provavelmente entrando em recessão, ainda tem um déficit em conta corrente alto em um ambiente difícil para nós e que, potencialmente, pode ficar mais difícil também lá fora quando o Fed se mexer. E há os grandes temas que seriam de natureza mais qualitativa, setorial, um imenso trabalho por fazer.


Valor: Quais setores?


Arminio: O setor de petróleo de forma geral e a Petrobras, mais especificamente. E o setor de energia, onde infelizmente um programa de racionalização, redução de consumo, já deveria ter começado. Agora, em função das mexidas feitas no setor, os preços estão na estratosfera. Além disso, tem a seca, no final de um processo sem planejamento e que, portanto, não produziu o investimento necessário. O risco, que é altíssimo, seria maior se a economia estivesse crescendo. Depois há temas de natureza microeconômica.


Valor: Quais?


Arminio: Eles dizem respeito a tudo o que interrompeu os ganhos de produtividade. Isso inclui todo o mundo regulatório, que afeta os dois setores que mencionei e os outros também. O Brasil deveria estar vivendo um "boom" de investimentos de infraestrutura. Tem o sistema tributário distorcido, repleto de isenções desprovidas de justificativa econômica ou social. O mesmo se pode dizer da grande parte dos subsídios concedidos através dos bancos públicos, sobretudo do BNDES. Isso gera um quadro de alto risco e de alto custo de oportunidade quando se pensa no crescimento.


Valor: Consertando tudo isso estaria resolvido o problema do baixo crescimento?


Arminio: Em outras áreas também vejo muito espaço para o governo melhorar. A educação certamente está no topo da lista. A não inserção do Brasil na economia mundial é muito preocupante. O Brasil está, em função disso tudo, com juro real de longo prazo de 6,5%. É um número que não tem paralelo e assusta.


Valor: Por quê?


Arminio: Hoje, a dívida bruta está em cerca de 70% do PIB. O país está com toda pinta de que vai crescer 1% ao ano no próximos quatro anos. Se as coisas continuarem do jeito que estão, talvez possa até ser menos. Com juro real de 6,5% e um primário também difícil de corrigir, e que está sendo corrigido na marra - com corte de investimentos e aumento da carga tributária -, estamos falando de uma dinâmica da dívida bem perversa.


Valor: Sobre a qual incide um juro implícito de 20%...


Arminio: Pois é. Usando os juros reais de 6,5%, com resultado primário pequeno e um PIB que não cresce, é possível que a dívida aumente uns cinco pontos percentuais do PIB por ano. A continuar nesse passo, a dívida vai para perto de 100% do PIB rapidamente, em quatro a cinco anos. Não é uma trajetória que dê tranquilidade a ninguém.


"O Brasil está com um juro real de longo prazo de 6,5% ao ano. É um número que não tem paralelo e assusta"


Valor: Qual é a meta de superávit primário necessária para dar sustentabilidade à dívida?


Arminio: Lá atrás, na campanha, eu imaginava levar o primário para até 3% do PIB. Isso teria que ser feito com total transparência e em uma discussão bem diferente da atual. No contexto atual...


Valor: 3% do PIB seria o esforço necessário para estancar a dívida?


Arminio: Para colocar a dívida em trajetória declinante. Num país que tem o juro que temos e que ainda não chegou a um modelo de crescimento adequado, isso seria necessário. Nas atuais circunstâncias, o superávit primário teria que ser mais alto ainda.


Valor: O que mudou no cenário desde as eleições?


Arminio: Tudo.


Valor: O crescimento será menor, é isso?


Arminio: Eu imaginava que o Brasil fosse caminhar tranquilamente para crescer 3% a 4% rapidamente, acho que no segundo semestre do ano, como aconteceu em 1999. E com o juro real bastante menor, sei lá quanto seria, mas 4% no longo prazo é alto para um país arrumado. Nesse contexto, as coisas se estabilizariam com superávit primário menor. Bem menor.


Valor: Do ponto de vista macroeconômico, um superávit fiscal feito na marra fica muito a dever a um superávit mais estrutural?


Arminio: Fica, claro que fica. As coisa são feitas de maneira não sustentável. O governo precisa investir mais. Essa discussão tem que acontecer. Em ambiente de crescimento o ajuste fica mais viável.


Valor: A equipe econômica sustenta que, ao consertar a macroeconomia e restabelecer a confiança, voltará o crescimento. O que o sr. acha da afirmativa?


Arminio: É genérica e, portanto, como quase toda afirmativa genérica, tende a ser correta. Mas é acreditar que muita coisa vai mudar e os primeiros sinais não são esses. É mais o desejo de alguns do que uma realidade neste momento.


Valor: Então, o sr. não acredita que a confiança vai se restabelecer agora?


Arminio: Não, não acredito. Diria que no momento está acontecendo o oposto. A confiança vem caindo. Teria que acontecer uma virada impressionante.


Valor: O discurso da presidente é que essa é uma crise temporária e que no segundo semestre estará superada.


Arminio: Não vejo assim com tanta facilidade, infelizmente.


Valor: E em 2016?


Arminio: Por enquanto, também não. Sou brasileiro, moro aqui, minha vida profissional está aqui e gostaria muito que isso acontecesse. Vocês estão me pedindo respostas analíticas e não meu desejo. Vejo isso com muita dificuldade, infelizmente.


Valor: Os subsídios deveriam ser todos revistos para melhorar o funcionamento da economia?


Arminio: Estamos com essa política há muito tempo e o resultado está aí, sem deixar dúvidas: não está gerando mais investimento, mais produtividade e nem mesmo melhora na distribuição de renda. Gerou, sim, um monstro de corrupção, de lobby. É tudo desperdício e precisa mudar. Não da noite para o dia. E requer um trabalho paralelo que, de certa maneira, compense esse período de ajuste.


Valor: Como assim?


Arminio: Precisa desmontar a coisa a partir de uma análise bem feita de tudo. O geral me parece totalmente equivocado. Em contrapartida, junto com o trabalho mais estrutural na área fiscal, isso traria uma queda nos juros. Que seria muito bem-vinda para todos, e não só para quem acessa as linhas baratas, cujo custo nem é transparente. Enfim, precisaria caminhar para uma economia mais arrumada, uma infraestrutura melhor, uma reforma tributária caprichada. Aí você poderia ir desmontando as distorções. E também limitar o gasto público, fazendo com que o gasto crescesse menos do que o PIB.


Valor: O limite ao crescimento do gasto deveria ser estabelecido em lei, mais institucional?


Arminio: Teria que se discutir e fazer o que fosse necessário. Não quero minimizar as dificuldades, mas acho que é possível. Nesse ambiente político-policial-econômico nada disso é muito fácil. Mas o caminho existe.


Valor: O governo acena com uma reforma tributária que inclui mudar o PIS/Cofins, em que tudo vira crédito, e unificar o ICMS. A proposta é boa?


Arminio: O detalhe é razoavelmente bem conhecido. Crédito financeiro e uniformização das regras, na área do ICMS em particular, em que cada Estado tem suas regras, que não se entendem entre si. Seria possível fazer uma drástica simplificação, que desoneraria imensamente a vida de quem produz e teria impacto extraordinário.


Valor: As reformas permitiriam maior crescimento do PIB?


Arminio: O conjunto do que nós estamos falando faria o Brasil crescer a 4% mole, mole. Como o Brasil é um país com renda per capita de menos de 20% da renda per capita dos países avançados, existe um espaço enorme para crescer.


Valor: O governo já não está cortando subsídios e reduzindo o papel dos bancos públicos?


Arminio: Teria que ser feito mais e melhor. O ministro da Fazenda fez um belo discurso de chegada. A questão é fazer. Não quero descartar a possibilidade de que seja feito. Hoje, a sensação que se tem é que vai ser feito esse ajuste meio na marra. Mas o lado da confiança, que poderia compensar, não está vindo e não está claro que vem. Isso complica tudo e faz com que a economia política das reformas fique ainda mais difícil.


Valor: O aumento da TJLP não foi na direção certa?


Arminio: Teve aumento, mas inferior ao aumento da Selic. É um processo e deve haver uma direção clara de até onde se deseja que isso vá. Como o lado qualitativo não vem, surge o receio de que você fique no pior dos mundos: faz um certo ajuste, mas o investimento não decola.


Valor: Aprofunda a recessão?


Arminio: Aprofunda a recessão. Olha só o drama. E ainda vão dizer que foi culpa da austeridade. Que foi pouca e mal feita. E, assim mesmo, tudo indica que ela vai levar a culpa.


Valor: Como rever o papel dos bancos públicos sem pesar mais a mão na economia?


Arminio: É verdade que eles sinalizaram isso, o BNDES ia ter menos capital para trabalhar. Já tem um balanço enorme, vai reciclar uma parte. Para isso acontecer e a economia não sentir teria que ter do outro lado um mercado de capitais pujante, que ocupasse esse espaço, inclusive para capital de risco, dinheiro em bolsa. Mas o custo de capital está muito alto, não há muita disponibilidade.


"A oposição vai ter que se posicionar com clareza tanto na crítica quanto na construção de um país melhor"


Valor: A agenda do governo para o crescimento, que incluiu o realismo tarifário e a readequação da taxa de retorno dos projetos, não fala também em mais financiamento privado?


Arminio: Esse é um bom caminho. Assim como também a depreciação do câmbio, embora ponha pressão no curto prazo, é muito bem-vinda. São fatores positivos. Mas, ainda assim, o consenso é de que vai ter queda no crescimento e que esse trabalho qualitativo vai ser feito com dificuldades. Mexe com muitos interesses, com convicções ideológicas enraizadas do grupo no poder. Não é trivial. Depois, dentro da aliança política que está aí, o quadro parece difícil.


Valor: Essa equipe econômica não teria, então, condições de levar o país a um bom porto?


Arminio: Acho que o Joaquim [ministro da Fazenda, Joaquim Levy] e o Tombini [presidente do Banco Central, Alexandre Tombini] podem fazer a diferença. A presença deles é positiva, destoa. É como se o Joaquim fosse escalado numa equipe que, de certa maneira, não é muito a dele. Não resolve tudo. Precisa ser algo com mais convicção e que venha de forma muito mais ampla.


Valor: Para trocar o sinal da confiança, então, só trocando de governo?


Arminio: Não chegaria a tanto. Não ouso me meter nessa área. Penso que esse governo poderia mudar. Mas é uma mudança pouco provável na magnitude necessária para fazer o país crescer. E do ponto de vista do clima, está ficando cada vez mais tenso. O governo segue com uma estratégia de tentar tapar o sol com a peneira, como sempre enrolando, mentindo, e agora acirrando os ânimos no país. Isso também não ajuda. Ninguém se sente bem. Falam do exército de um, exército de outro. Não vejo isso com a cara boa não.


Valor: A oposição não está a reboque dos movimentos de rua e do acirramento dos ânimos?


Arminio: Não sou do ramo, mas entendo que a oposição não quer parecer oportunista com relação aos movimentos. Acho que a oposição vai ter que se posicionar com clareza tanto na crítica quanto na construção de um país melhor e penso que isso será feito.


Valor: O sr. acha factível reduzir a inflação a 4,5% em 2016?


Arminio: Acho difícil. Tem que fazer uma simulação com a hipótese de que tudo vai se estabilizar e isso, no momento, talvez não seja um cenário tão fácil.


Valor: O que seria essa hipótese de "tudo se estabilizar"?


Arminio: O lado da oferta da economia funcionar melhor; o câmbio achar o seu nível e parar esse processo de alta. Talvez até o câmbio, nesse ano, passe do nível correto e possa, no ano que vem, voltar um pouco. Do lado dos preços públicos, a situação do setor elétrico se acalmar, começar a se resolver para permitir uma queda de tarifas em algum horizonte de tempo, talvez no ano que vem seja muito cedo. No lado da Petrobras, o governo foi de um lado para o outro. A Petrobras estava sangrando, depois estava recompondo um pouquinho o caixa, mas não muito, porque o câmbio deve ter comido bastante desse espaço. A inflação para este ano está sendo revisada para 8% ou acima de 8%. Tem a inércia, que é um risco também. Muita coisa teria que dar certo para se chegar à inflação de 4,5% em 2016.


Valor: Mas estaria na direção para chegar a 4,5% logo adiante, em, algum momento de 2017?


Arminio: Faz tempo que a inflação não anda por lá. Então é saudável ter certo grau de ceticismo. Eu respeito. Este ano estamos tendo um quadro recessivo, o BC já aumentou bastante os juros. Claramente o governo está se mexendo.


Valor: O mercado está empurrando o BC para uma alta de juros de 0,75 ponto percentual em abril.


Arminio: Acho que a realidade é que está. O mercado não tem essa força toda. Ele espelha o que está acontecendo. Às vezes, exagera para um lado ou para o outro. Mas é o quadro geral que preocupa.


Valor: O dólar subiu muito, pouco acima de R$ 3,20. Isso já resolve o balanço de pagamentos?


Arminio: Houve perda relevante nos preços das exportações. Isso põe pressão no câmbio e na inflação. Com a queda relevante na relação de trocas e perda de confiança na economia, não dá pra dizer que, nesse nível, o câmbio, dadas as circunstâncias, seja um exagero.


Valor: É suficiente para reduzir o déficit de conta corrente dos atuais 4% do PIB para algo como 2%?


Arminio: Acho possível que, com recessão e câmbio, o déficit em conta corrente vá cair. Mas não é bom que caia assim.


Valor: Como se faz o ajuste do porte que tem que ser feito em um ambiente recessivo. Alguém fez isso? A Grécia? A Espanha?


Arminio: A Grécia fez na marra porque não tinha financiamento. Aqui também o governo não tem colocado papel de longo prazo, há um número enorme, não sei de cabeça, rolado no over.


Valor: Cerca de 25% da dívida está sendo rolada no overnight. Esse quadro nos levaria a um colapso?


Arminio: Não diria isso. Mas pode vir uma recessão dura e prolongada. Depende também do quadro político. Hoje há tensões por todos os lados.


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