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Valor Online ( Brasil ) - SP - Brasil - 09-03-2015 - 09:31 -   Notícia original Link para notícia
Consumo deve ter primeiro recuo em 11 anos

Com aumento da taxa de desemprego, menor disponibilidade de renda, alta de juros e confiança do consumidor nas mínimas históricas, o consumo das famílias deve interromper um ciclo de expansão que durou 11 anos e registrar a primeira queda desde 2003, segundo economistas ouvidos pelo Valor.


Ao quadro ruim, soma-se o fato de que boa parte da alta mais recente do consumo ocorreu no âmbito de um ciclo de bens duráveis que parece estar perto do fim. "Quem vai comprar outra geladeira?", questiona o economista-chefe do banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves.


Considerando as estimativas para o ano passado, que ainda não tem dados oficiais divulgados, a alta média da demanda das famílias no Produto Interno Bruto (PIB) entre 2004 e 2014 foi de 4,3% ao ano - acima, portanto, da expansão média de 3,4% do PIB em igual período. Para 2015, projeção de especialistas ouvidos pelo Valor para a demanda privada fica entre queda de 0,1% e baixa de 0,3%, enquanto o PIB deve recuar em torno de 1%.


A Tendências Consultoria estima queda de 0,1% desse componente, enquanto o PIB deve encerrar o ano com retração de 1,2%. Para a economista Alessandra Ribeiro o que não faltam são fatores que explicam essa perda de fôlego da demanda. "O nosso cenário tem muito a ver com o quadro de confiança em baixa, desaceleração do crédito e, principalmente, com o mercado de trabalho mais fraco".


A consultoria estima que a taxa média de desemprego neste ano deve ser de 6,3%, a mais alta desde 2010. A população ocupada, diz, deve continuar a encolher e cair 0,8%, enquanto parte das pessoas com idade para trabalhar, mas que estavam fora do mercado voltem a buscar um emprego.


O mercado de trabalho bem mais concorrido e a inflação elevada - algo em torno de 8% ao longo do ano - explicam sua estimativa de queda de 0,5% do rendimento real, depois de alta de 2,7% no ano passado. A renda disponível deve ficar ainda mais comprimida, diante da série de reajustes de tarifas de serviços insubstituíveis, como energia elétrica e transporte público. Neste cenário, observa Alessandra, o orçamento disponível para consumo pode encolher 1,6% em 2015, após alta de 0,2% em 2014. (Ver Orçamento apertado já muda hábitos)


Cristiano Oliveira, economista-chefe do banco Fibra, espera queda de 0,2% para o consumo das famílias em 2015. Somado à retração de 8% do investimento em 2015, o desempenho do consumo da famílias deve fazer com que a demanda agregada encerre o ano com queda superior à do PIB.


"A forte contração do investimento é o principal fator, mas até o ano passado o desempenho do consumo das famílias vinha razoável e a demanda continuava crescendo acima do PIB. Em 2015 não teremos essa colaboração". A expectativa inicial do banco é de queda de 0,8% para a atividade econômica em 2015 e retração de 1,2% da demanda agregada - mas a baixa deve ser ainda maior, pois ambos estão em revisão.


No jogo de forças dos elementos que mais pesam para a queda do consumo, destacam-se, segundo Oliveira, o mercado de trabalho em desaceleração - a taxa de desemprego deve chegar a 5,8% em 2015 e a 6,4% em 2016 pelas projeções dele - e a inflação perto de 8% em 12 meses, que afetam tanto o consumo de serviços quanto de bens duráveis e semi-duráveis.


Já a desaceleração da concessão de crédito, que afeta especialmente a compra de bens duráveis, é visível e deve prosseguir, tanto pela maior seletividade dos bancos como pela maior cautela das famílias. "O custo do crédito para o consumidor final aumentou bastante no período", diz Oliveira.


Ele lembra ainda que há um significativo recuo da renda per capita em dólar nos últimos anos, o que significa que o brasileiro está ficando mais pobre, já que parte da cesta é de itens importados. "Há uma deterioração macroeconômica bastante grande e o mercado de trabalho e o consumo das famílias tendem a ser os últimos a sentir. Isso está ocorrendo agora".


Para Alessandra, da Tendências, compras menores de bens "supérfluos" devem levar a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) a encerrar o ano em queda, depois de um crescimento bem modesto, de 2,2%, em 2014. No caso do varejo ampliado, que considera automóveis e construção civil, que já caiu 1,7% em 2014, o recuo das vendas deve até se acentuar, diz Vinícius Botelho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).


A queda das vendas de automóveis, diz Botelho, pode ser de 15% neste ano, considerando os resultados já divulgados pela Fenabrave e o aumento do Imposto sobre Produto Industrializados (IPI), como parte do ajuste fiscal. Além disso, diz, o setor de bens duráveis deve ser bastante afetado pelo esgotamento de um longo ciclo de expansão do crédito e por um cenário de confiança dos consumidores em nível historicamente baixo. Esses fatores ajudam a explicar a desaceleração recente do consumo e a projeção de queda de 0,3% da demanda das famílias no ano.


"Tivemos expansão muito forte do consumo no passado, bastante associada ao aumento do crédito como proporção do PIB, e agora, com necessidade de quitação das dívidas, o interesse por novos empréstimos desacelera". Embora a expectativa seja que este movimento se acentue ao longo do ano, diz Botelho, já houve importante desaceleração da demanda em 2014. No primeiro trimestre, o consumo caiu 0,2%, no segundo ficou estagnado e voltou a recuar 0,3% entre julho e setembro. O IBGE ainda não divulgou o resultado para os últimos três meses do ano. "Além desse cenário base suficientemente ruim, tem ainda a possibilidade de racionamento de energia", diz Botelho. Se ocorrer, afirma, "toda essa histórica fica pior".


Considerando os efeitos do racionamento de energia elétrica sobre a atividade, o Banco Fator espera queda de 1,5% do PIB em 2015 e alta muito leve em 2016. O cenário base contempla o efeito do racionamento no consumo das famílias, que deve recuar 0,3% em 2015, e no investimento, cujo desempenho em 2015 deve repetir o do ano passado, em queda de 8%.


"A expectativa se fundamenta na piora do mercado de trabalho, com queda absoluta no emprego e alta na população economicamente ativa, dois movimentos que levam à desaceleração nominal dos salários e à queda da renda", diz Lima Gonçalves, do Fator. "Ademais, a renda cai porque a inflação acelera e os salários não são reajustados instantaneamente".



Pesquisa mostra queda na proporção de famílias com sobras para poupar


O ano de 2014 foi de menor espaço nos orçamentos familiares, redução de parcelamentos e, entre aqueles consumidores que conseguiram algum excedente de renda, mais disposição para poupar do que para fazer novas compras, quadro que tende a se repetir em 2015. Segundo pesquisa da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio RJ) e da Ipsos divulgada com exclusividade ao Valor, o percentual de famílias com algum excedente na renda mensal, depois de todas as despesas pagas, caiu de 30,2% em 2013 para 28,6% em 2014.


Na mesma comparação, a parcela de consumidores com orçamento equilibrado, sem sobras nem faltas, avançou de 47,5% para 48,5%, enquanto a participação daqueles com rendimentos insuficientes para quitar todos os dispêndios subiu de 20,2% para 21,1%. O dado está em linha com o aumento na proporção de consumidores que atrasaram o pagamento de algum financiamento, que ficou em 18,1% no ano passado, alta de 0,9 ponto percentual em relação a 2013.


O gerente de economia da Fecomércio RJ, Christian Travassos, afirma que, não fosse a postura mais cautelosa do consumidor, que comprou menos bens duráveis e fez menos dívidas em 2014, o avanço na inadimplência poderia ter sido maior. No ano passado, o percentual de famílias com intenção de comprar bens duráveis atingiu seu menor nível desde 2010, ao cair para 15%, depois de ter ficado em 16,7% no período anterior. Ao mesmo tempo, a proporção de consumidores com algum tipo de parcelamento teve redução mais expressiva, de 44,2% para 38,5%.


"O principal componente da pesquisa é a menor tomada de crédito pelo brasileiro. Isso se refletiu no desempenho do comércio e da indústria e é condizente com a realidade econômica", diz Travassos, para quem o alto índice de formalização do mercado de trabalho contribuiu para que a proporção de famílias com contas em atraso não avançasse tanto em 2014. Para 2015, o economista espera que a inadimplência suba, mas não de forma explosiva, já que o consumidor deve continuar mais seletivo.


Mesmo na ponta oposta, entre aqueles que conseguiram guardar parte da renda, o comportamento foi mais comedido em 2014. Neste grupo, 57,9% dos consumidores preferiram destinar o montante excedente a alguma forma de poupança, maior percentual da série histórica do levantamento da Fecomércio RJ, com início em 2008. Para o economista da entidade, a maior propensão em poupar está diretamente relacionada à piora do ambiente econômico.


"O consumidor vê o noticiário econômico e fica preocupado. Ele sente o impacto da inflação, sabe que o governo retirou incentivos fiscais e que algumas regiões do país já estão demitindo", comentou Travassos. Para ele, a percepção ruim tende a se acentuar em 2015, diante da série de reajustes de impostos e tarifas públicas e da perspectiva de recessão econômica, que deve afetar o mercado de trabalho, o que vai moderar ainda mais as concessões de crédito.


Travassos avalia que o desempenho do varejo será mais próximo ao da atividade econômica, ao contrário de 2014, quando o PIB deve ter ficado estagnado e o volume de vendas no conceito restrito (sem automóveis e material de construção) subiu 2,2%. "As famílias terão mais dificuldade de fechar o mês. O desemprego promete aumentar. O cenário favorece uma pequena alta da inadimplência e desaceleração da tomada de crédito", disse.


Orçamento apertado já muda hábitos


Molan, do Santander: famílias usam poupança para aliviar queda na renda


O aumento generalizado de preços e o encarecimento do crédito pesaram sobre o orçamento das famílias nos primeiros meses de 2015, reduzindo o espaço para consumo. A queda nos gastos das famílias só não foi maior graças ao amparo dado pela poupança, que amenizou a perda de renda disponível para consumir. Segundo economistas ouvidos pelo Valor, contudo, a tendência é que o balanço das famílias fique cada vez mais apertado ao longo do ano, com impactos ainda maiores sobre os gastos.


Por enquanto, porém, a boa notícia é que os efeitos do aperto orçamentário sobre a taxa de inadimplência das famílias têm sido limitados e devem se manter sob controle ao longo do ano. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que o número de famílias com dívida caiu de 62,7% para 57,8% entre fevereiro de 2014 e o mês passado. Além disso, nos últimos anos, aumentou a participação no crédito de modalidades com garantias mais fortes - como o crédito imobiliário - o que reduz a chance de calotes.


"De um lado, o crédito está mais difícil e mais caro. De outro, o aumento do custo de vida neste início de ano já afeta a renda disponível. As famílias estão tentando evitar o endividamento", afirma Marianne Hanson, economista da instituição. Para ela, a postura mais cautelosa dos consumidores, que se traduz nos baixos níveis dos indicadores de confiança, deve evitar um aumento exagerado dos níveis de inadimplência neste ano - desde que não haja um pico na taxa de desemprego, ela ressalva.


Ainda que não tenha afetado a inadimplência, a contração da renda disponível nos primeiros meses do ano teve impacto na capacidade de poupar das famílias. Nas contas do economista-chefe do Santander, Maurício Molan, os primeiros meses do ano devem ter trazido uma contração na renda disponível na ordem de 2%. Combinada ao menor apetite das famílias por crédito, essa queda cria a combinação ideal para diminuição de consumo.


Essa queda, porém, tem um atenuante importante. "Há um fenômeno em curso que é o princípio da suavização do consumo. Quando a renda da família cai, seu consumo não cai proporcionalmente. Da mesma forma, quando a renda sobe, a subida do consumo não é proporcional. A poupança é o fator que ajuda na suavização dessa queda", afirma o economista-chefe do Santander.


Importante instrumento de reserva das famílias, o comportamento da caderneta de poupança em janeiro e fevereiro foi influenciado por este cenário. Nos dois meses, a retirada líquida de recursos da poupança bateram recorde, e somam R$ 11,8 bilhões. Em contrapartida, os fundos DI, mais atrativos que a caderneta em tempos de taxa básica de juros alta, absorveram R$ 2,5 bilhões em fevereiro. Ou seja, ao menos parte desses recursos pode ter sido usada pelas famílias para fechar o orçamento mensal.


Outra consequência do aperto na renda é o aumento da fatia mensal do orçamento que as famílias precisam destinar para pagar dívidas, o comprometimento de renda. A Tendências Consultoria calcula que o nível de comprometimento da renda das famílias deve crescer de 29,3% em 2014 para 30,8% neste ano. Essa alta, afirma Rodrigo Baggi, economista da instituição, é resultado não só da desaceleração dos rendimentos como também do encarecimento das taxas de juros.


reajustes de energia elétrica residencial, gasolina e transporte público devem reduzir a renda média disponível em 2015 em 2,1%, afirma o economista - a maior queda desde 2003. "O espaço no orçamento das famílias tem ficado muito apertado", pondera.


Depois de crescer 3,6% em 2014, a massa de rendimentos da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) - aquela que leva em conta todas as receitas, não apenas a habitualmente recebida - deve encolher 1,2% em 2015, conforma as projeções da Tendências. A expectativa para massa ampliada, por sua vez, que leva em consideração os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), com maior abrangência, é de perda de 0,3%.


Ao mesmo tempo em que a renda disponível encolhe, as famílias têm reduzido a demanda por crédito para consumo no começo de 2015. Dados da Serasa Experian mostram que, em janeiro, houve um avanço de 2,1% na procura por crédito, o menor percentual de crescimento dos últimos cinco meses. Olhando apenas para famílias com renda de até R$ 500, houve uma queda sensível de 18,82% na demanda por financiamento.


"É um consumidor de baixa renda que, em geral, não tem reserva e que é mais sensível a uma piora do cenário", afirma Luiz Rabi, economista da Serasa. "A demanda por crédito deve se retrair mais neste ano", afirma.


Rabi chama atenção para o fato de os desembolsos de linhas rotativas de crédito - aquelas usadas em caso de emergência - estarem crescendo a uma velocidade maior que as não rotativas - em geral, usadas para a aquisição de bens duráveis ou semiduráveis. "É um sinal de uma dificuldade do consumidor em encontrar outras linhas de crédito mais baratas à disposição", diz.


Dados do Banco Central mostram que, em janeiro, foram desembolsados R$ 117,2 bilhões em linhas de crédito rotativas, como o cartão de crédito e o cheque especial, o que representa um crescimento de 10,3% ante o mesmo mês de 2014. Já as linhas não rotativas, que incluem crédito consignado e de veículos, somaram R$ 32,1 bilhões desembolsados no mês, com queda de 4% ante o ano passado.


Vale lembrar que os desembolsos de linhas rotativas são de curto prazo e normalmente são mais acessados no começo do ano, em função do acúmulo de obrigações das famílias. Ainda assim, é um sinal de que fechar o mês no azul ficou sim mais difícil em 2015.



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