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Valor Online ( Empresa ) - SP - Brasil - 02-03-2015 - 09:51 -   Notícia original Link para notícia
No varejo francês, beleza não põe mesa


Intermarché vendeu 1 tonelada de frutas e legumes "feios" em cada uma de suas 1,8 mil lojas em janeiro - Auchan, Monoprix e Leclerc também aderiram


"Você é feia, mas nem por isso deixa de ser gostosa", diz uma voz, em off, em uma publicidade na TV da rede varejista francesa Intermaché, a uma cenoura com formato esquisito, com duas pontas, "deprimida" por não se sentir desejada. Frutas e legumes "feios", como são chamados na França, se tornaram uma tendência de consumo no país para lutar contra o desperdício de alimentos.


Vários supermercados franceses passaram a vender esse tipo de produto, identificados em embalagens e estandes específicos. Eles custam 30% menos do que frutas e legumes que correspondem ao padrões habituais de "beleza" em termos de formas e dimensões.


O Intermarché, com mais de 1,8 mil lojas na França, tem feito, até o momento, apenas operações pontuais com frutas e legumes "moches" (feios, em francês). A última delas, em janeiro, resultou na venda de 1 tonelada de produtos por loja, informa a empresa.


Mas outras grandes redes como Auchan, segunda maior varejista da França, Monoprix, do grupo Casino (controlador do Grupo Pão de Açúcar) e Leclerc, passaram a distribuir de maneira permanente esses alimentos menos bonitos e desprezados por atacadistas, varejistas e também pelos consumidores.


Diferentemente da rede Intermarché, que trabalha com seus próprios fornecedores, as frutas e legumes "feios" vendidos em boa parte dos supermercadistas franceses têm o selo "Quoi ma gueule?" (o que é que tem a minha cara?, em tradução literal), da marca Les Gueules Cassées (caras quebradas). Ela reúne produtores franceses e visa revalorizar alimentos considerados disformes, mas nem por isso com menos sabor e menor qualidade nutritiva.


O consumidor evoluiu e passou a se preocupar mais com questões ambientais e éticas, diz Nicolas Chabanne, cofundador da Les Gueules Cassées, criada em abril passado. "Não é possível continuar jogando no lixo toneladas de comida apenas porque o visual e as dimensões não correspondem aos padrões exigidos", disse ele ao Valor.


Há também o aspecto econômico. Em tempos de crise, economizar 30% nos preços habituais atrai os clientes. "O consumidor faz bons negócios e, ao mesmo tempo, uma boa ação", diz Chabanne, acrescentando ter sido contatado por potenciais interessados no conceito em outros países, como o Brasil. As frutas e legumes da marca já estão presentes em 1,5 mil lojas na França, segundo ele.


Neste ano, a Les Gueules Cassées irá ampliar sua gama com produtos industrializados e também artesanais com formas, cores e tamanhos que não correspondem aos padrões habituais. Em março, deverão ser lançados queijos camembert "menos redondos e lisos" e cereais para o café da manhã com tonalidade diversa e diferença de alguns milímetros no tamanho, que serão no mínimo 30% mais baratos.


Outros artigos, como chocolates ou marrons glacés levemente lascados, biscoitos ou a famosa linguiça de Morteau, que não corresponderia às dimensões e cor obtida na defumação, exigidas pelo selo regional de qualidade, também serão lançados em breve, afirma Chabanne.


Ele prevê que deverão ser vendidas neste ano 10 mil toneladas de frutas e legumes sob o selo da Les Gueules Cassées e entre 50 e 100 mil toneladas de alimentos, incluindo os lançamentos previstos.


No momento, os volumes vendidos da Les Gueules Cassées nas grandes redes ainda são bem baixos se comparados às vendas totais de frutas e legumes das varejistas. O Monoprix comercializa, em todas as suas lojas da França, apenas as frutas da Les Gueules Cassées. Informa que essa iniciativa se insere no plano de luta contra o desperdício de alimentos lançado pela rede.


Na França, apenas algumas lojas de bairro do Carrefour, que funcionam sob franquia, vendem produtos com o selo da Les Gueules Cassées. O grupo também lançou um plano de ações contra o desperdício de alimentos. As filiais internacionais têm autonomia nas iniciativas para aplicá-lo.


São várias iniciativas para evitar que alimentos sejam jogados fora, conta Sandrine Mercier, diretora de desenvolvimento sustentável do grupo. Frutas e legumes com visual menos atraente são transformados em saladas prontas para o consumo. A carne do açougue é cortada várias vezes ao dia para diminuir sobras. Foi criado ainda um site com dicas de receitas para utilizar os restos da geladeira.


Segundo dados do governo francês, mais de 7 milhões de toneladas de alimentos são jogadas fora por ano ao longo de toda a cadeia do setor, o que representa entre 20 kg e 30 kg de comida desperdiçada por lar no país.


Há, no entanto, opositores à venda de frutas e legumes "feios" na França. "Isso é uma operação de marketing do varejo para baixar ainda mais os preços. Se os legumes são tortos ou têm outros defeitos é porque o agricultor não trabalhou direito", disse ao Valor Jacques Rouchaussé, presidente da federação Legumes da França, que reúne 33 mil produtores. Segundo ele, o setor já limita o desperdício vendendo para a indústria os legumes menos atraentes visualmente.


Apesar das críticas, as frutas e legumes feios ganharam grande destaque na França, onde a beleza, seja por razões econômicas ou de conscientização do consumidor, parece ser cada vez menos fundamental.


Legumes 'esquecidos' estão de volta às lojas


A moda dos legumes "esquecidos" ou "antigos", que haviam desaparecido totalmente das receitas, foi lançada na França por chefs renomados e acabou se espalhando por restaurantes em geral até chegar aos supermercados.


Cenouras roxas e amarelas, rabanetes negros, cherívia, alcachofras de Jerusalém e chinesa são alguns dos legumes que se tornaram um hábito de consumo de muitos franceses.


Vários desses produtos passaram a ser facilmente encontrados no varejo, até mesmo em quitandas de bairro.


A produção ainda é pequena e representa apenas de 2% a 3% do volume total no país, segundo Jacques Rouchaussé, presidente da federação de produtores de legumes da França. Mas ela vem crescendo cerca 4% ao ano, impulsionada por programas culinários na TV que passaram a dar destaque para esses ingredientes.


O fato deles terem menos pesticidas do que os legumes convencionais também contribuiu para despertar o interesse do consumidor, cada vez mais preocupado com a qualidade dos alimentos em razão de escândalos recentes na Europa.


"As pessoas consumiram muito na França durante a guerra legumes como a cherívia, a alcachofra de Jerusalém e a cenoura roxa. Por isso, houve uma certa rejeição em relação a esses produtos e eles ficaram esquecidos", conta Rouchaussé. "Outros, como a alcachofra chinesa, que estão bem em voga, haviam totalmente desaparecido do mercado", diz ele.


Atualmente, 5 mil produtores de legumes na França, o que representa quase um sexto do total de 33 mil, já plantam esses ingredientes "antigos". O renomado chef Alain Passard, do L'Arpège, três estrelas no guia Michelin, passou a ter esses legumes esquecidos em sua própria horta, que abastece seu restaurante.


Outro fator, culinário, contribuiu para que eles desaparecessem das receitas: é mais difícil prepará-los do que legumes convencionais, na avaliação de chefs de cozinha.


Apesar da produção ainda limitada, as vendas vêm crescendo consideravelmente, segundo produtores e varejistas. A marca Le Petit Producteur dobrou seu volume de produção nos últimos dois anos.


O Carrefour constata uma real demanda por parte do consumidor, com aumento de vendas na faixa dos dois dígitos. Batatas roxas, couve-nabo, cherívia e outros legumes "antigos" são vendidos atualmente apenas em uma dezena de lojas no país. Devido à fragilidade dos produtos, são necessários funcionários para servir os clientes. A rede também lançou uma parceria com um produtor para relançar alguns tipos de tomates antigos, afirma Sandrine Mercier, diretora de desenvolvimento sustentável do grupo.


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