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O Globo Online (RJ) ( Economia ) - RJ - Brasil - 19-02-2015 - 08:03 -   Notícia original Link para notícia
Dois anos de queda do PIB

ISABEL DE LUCA Correspondente ideluca@oglobo.com.br


GERALDA DOCA geralda@oglobo.com.br


Levy admite que economia encolheu em 2014, e mercado prevê recuo também em 2015


"Não promoveremos recessão e retrocessos. Vamos promover o reequilíbrio fiscal de forma gradual. Ajustes fazem parte do dia a dia da política econômica, bem como do cotidiano de empresas e pessoas"
Dilma Rousseff
Presidente, no começo deste mês "Nós todos lamentamos que o crescimento tenha desacelerado, e talvez ano passado fique mesmo negativo, porque alguns grandes investimentos declinaram"
Joaquim Levy
Ministro da Fazenda "O cenário é muito delicado, e o resultado disso é a queda no PIB"
Silvio Campos Neto
Economista da consultoria Tendências


Os economistas do mercado financeiro estimam que o PIB brasileiro sofrerá uma queda de 0,42% este ano, segundo pesquisa semanal do Banco Central. Foi a primeira vez que os analistas projetaram uma retração em 2015. E, em Nova York, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu que o PIB de 2014 pode ter encolhido. Os números oficiais só serão divulgados pelo IBGE no fim de março. Em palestra a investidores, Levy prometeu que conseguirá fazer o ajuste fiscal sem "cortes draconianos" e afirmou que as medidas de aperto são necessárias para criar um "novo ciclo de crescimento". -NOVA YORK E BRASÍLIA- O Brasil pode ter dois anos consecutivos de retração econômica. No mesmo dia em que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu pela primeira vez que a economia em 2014 pode ter encolhido, os analistas do mercado financeiro projetaram, também de forma inédita, uma queda do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2015.


ROEY YOHAI/AMERICAS SOCIETY/COUNCIL OF THE AMERICAS.Tesoura. Em palestra a investidores em Nova York, Joaquim Levy diz que o país não precisará de cortes drásticos, mas prevê novas medidas de ajuste nos gastos públicos


O resultado da economia no ano passado só será divulgado pelo IBGE no fim de março. Mas a afirmação de Levy contraria o que vinha sendo defendido pelo governo até agora. Já o boletim Focus, apurado em pesquisa semanal do Banco Central (BC) com as principais instituições financeiras no Brasil, apontou retração de 0,42% em 2015 - algumas previsões sugerem encolhimento de até 1,2%. Na semana passada, as perspectivas para este ano eram de estagnação. Na avaliação dos economistas, uma combinação de fatores negativos vai prejudicar a economia, como inflação alta, pressão no câmbio e arrocho na política monetária.


Em sua primeira viagem aos Estados Unidos como ministro da Fazenda, Levy disse ontem, em palestra a investidores em Nova York, que o Brasil não precisa de "cortes draconianos" para promover o ajuste fiscal necessário ao início de "um novo ciclo de crescimento" e admitiu que a economia do país pode ter encolhido em 2014.


- Estamos num ritmo mais fraco mais recentemente, nós todos lamentamos que o crescimento tenha desacelerado, e talvez no ano passado tenha ficado mesmo negativo, porque alguns grandes investimentos declinaram. Mas acho válido mencionar que continuamos a ter pequenos e médios projetos. Muitas empresas de todo o mundo continuam a abrir fábricas no Brasil, e nós temos que garantir que esses fluxos continuem, porque, em última instância, é o que oferece a diversificação da base econômica. É um processo saudável, liderado pelo setor privado, por empresas, investidores.


Segundo o documento da apresentação do ministro em Nova York, os dados revelados têm como base uma alta do PIB em 2015 de 0,8%, em linha com a mensagem da presidente Dilma Rousseff ao Congresso no início deste mês, quando ela afirmou que não promoverá "recessão e retrocessos".


'CENÁRIO DELICADO' EM 2015, DIZ ANALISTA


O mercado, no entanto, confirmou na pesquisa Focus que 2015 deve ser um ano difícil. Para o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, a previsão de queda na economia de 0,42% apontada na levantamento do BC é simbólica - mas esperada, diante do processo de deterioração observado nas últimas semanas. Segundo ele, as projeções devem piorar, indicando um tombo ainda maior na economia. A consultoria prevê retração de 1,2% no PIB este ano.


- O cenário é muito delicado, e o resultado disso é a queda no PIB - disse o economista.


Rodrigo Miyamoto, analista de macroeconomia do Itaú Unibanco, ressaltou que a confiança de empresários e consumidores nunca esteve em patamares tão baixos. Ele não acredita que essa situação vá mudar nos próximos meses. O Itaú Unibanco prevê recuo de 0,5% no PIB este ano.


De acordo com os economistas ouvidos pelo BC, as medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica devem prejudicar o crescimento, mas são necessárias para preparar o terreno para 2016. As projeções do Focus para o PIB do ano que vem permaneceram em 1,5%.


Durante a palestra, que reuniu 185 pessoas e durou pouco mais de uma hora, Levy reforçou o compromisso com a meta de superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do PIB:


- Se voltarmos, em muitos casos, ao nível de gastos de 2013, podemos entrar no caminho para atingir a meta de 1,2% sem muito problema, só temos que voltar o relógio um pouco, não precisamos fazer cortes draconianos ou algo do gênero.


O ministro garantiu que não está "inventando novos impostos" e explicou que "o plano para os próximos meses é simplificar alguns e renovar outros". Afirmou, porém, que o governo vai tomar novas medidas para atingir a meta fiscal.


- Estamos trabalhando para conseguir (atingir a meta) nos próximos dez meses. Esse é o compromisso da presidente e nossa responsabilidade no Planejamento e na Fazenda. Já adotamos medidas, vamos adotar outras.


Já a projeção do Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, subiu pela sétima vez consecutiva, a 7,27%, contra 7,15% na semana anterior - ou seja, estourando o teto da meta, de 6,5%.


Em relação à Petrobras - tema que junto com câmbio foi a principal curiosidade dos investidores quando o ministro abriu para (poucas) perguntas da plateia -, Levy ressaltou que a empresa vem aumentando a produção de petróleo desde 2012 e que o pré-sal "é uma realidade". Em referência aos escândalos, afirmou que a estatal está focada em virar a página e que acredita que isso será feito "nos próximos meses".


- Estamos de volta a dois milhões de barris por dia. O pré-sal é uma realidade e é muito mais produtivo do que o imaginado. Isso é importante num mercado em que os preços caíram drasticamente. E mostra que, ao menos no lado da produção, a empresa encontrou o seu caminho.


O ministro ainda defendeu a estatal das críticas geradas pelo atraso de cerca de dois meses na divulgação do balanço do terceiro trimestre de 2014, que acabou publicado sem o aval da auditora da empresa, a PwC.


- Os números estão ali, o mercado pode avaliar se o dinheiro foi mal gasto ou bem gasto, mas a Petrobras sempre divulgou todos os seus gastos, não há real surpresa para o mercado. Tudo foi liberado para analistas do mundo todo, tudo era público. Não há surpresa, nunca o mercado foi deixado sem saber o que estava acontecendo na companhia - argumentou.


CRISE ENERGÉTICA


Já a crise no setor de energia foi atribuída por Levy ao aumento do consumo, e a solução, segundo ele, passa pela busca de energias alternativas.


- A demanda (por eletricidade) cresceu, especialmente a residencial e a do terceiro setor. O consumo de energia por domicílio este ano será 23% maior do que há cinco anos. Então, o consumo cresceu quase 25% em apenas cinco anos, enquanto na maioria dos países, diminuiu. Com algum esforço e alguma economia, podemos estabilizar esse consumo.


O ministro terminou o pronunciamento em tom otimista, citando as Olimpíadas como instrumento que ajudará a melhorar o astral do país em 2016.


- Sei que 2015 será um ano de desafios, mas podemos chegar à meta e temos que trabalhar para que 2016 seja um ano de crescimento, de otimismo. Será um ano importante para o Brasil, vamos sediar as Olimpíadas. A preparação está indo bem, há muito comprometimento dos governos federal e local. Será um bom clima depois de passarmos pelos ajustes que precisamos fazer agora e estabelecer fundações para um novo ciclo de crescimento.


Após o encontro, Levy se reuniu a portas fechadas com representantes da agência e classificação de risco Moody's, que no fim do ano passado revisou a perspectiva do rating (a nota) do país para negativa, e saiu sem falar com a imprensa. Entre os investidores presentes, as impressões foram variadas.


- Achei ridículo. Ele mudou de tom desde que assumiu, agora está repetindo o discurso da Dilma - reclamou um investidor brasileiro radicado em Nova York que preferiu o anonimato.


- Achei interessante. Realista. Não teve nenhuma novidade, mas foi bom ouvir da boca dele, e não por terceiros ou por jornais - concluiu um advogado americano, com vários clientes brasileiros na carteira.



EM DAVOS, DECLARAÇÃO CAUSOU POLÊMICA


Não foi a primeira vez que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu que o PIB brasileiro poderia sofrer uma queda. No mês passado, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, Levy pediu "paciência e humildade" em relação ao comportamento da economia em 2015. Mas, ao escolher as palavras, acabou usando uma expressão muito forte: recessão. Levy afirmou que, ao longo do ano, seria possível haver recessão no PIB em algum trimestre, pois as medidas de ajuste levam tempo para mostrar resultado.


- A gente pode ter um trimestre de recessão (em 2015). Isso não quer dizer nada em termos de crescimento. A gente teve trimestre de recessão recentemente. A economia toma um tempo para reagir - disse Levy na Suíça.


Horas depois da afirmação, a assessoria do Ministério da Fazenda esclareceu que Levy se confundiu e queria dizer retração do PIB.


Segundo grande parte dos economistas, um quadro de recessão se caracteriza por dois trimestres seguidos de retração. Embora seja possível fechar o ano com PIB negativo mas sem recessão, essa possibilidade é remota.


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