Leitura de notícia
Valor Online ( Finanças ) - SP - Brasil - 18-02-2015 - 05:00 -   Notícia original Link para notícia
Mercado já projeta dólar a R$ 3 com racionamento

Por Silvia Rosa e José de Castro | De São Paulo


Para Alessandra Ribeiro, da Tendências, aprovação de medidas fiscais e de mudança no seguro-desemprego no Congresso pode trazer algum alívio para o câmbio


A escalada do dólar em fevereiro, de 5,30% em relação ao real, reflete a piora da perspectiva para a economia doméstica diante do risco de racionamento de energia, dúvidas sobre a aprovação das medidas de ajuste fiscal e preocupação com o risco de rebaixamento da nota de crédito brasileira. Mas, apesar desses fatores já estarem no radar dos investidores, uma materialização do cenário mais adverso poderia levar a uma nova onda de depreciação do real, com o dólar ultrapassando o nível de R$ 3, avaliam analistas.


Para o economista Rafael Bistafa da Rosenberg & Associados, o atual patamar do câmbio, de R$ 2,83 por dólar, ainda não reflete plenamente a hipótese de racionamento de energia. E, se este for realmente decretado pelo governo, o economista acredita que a moeda poderia alcançar os R$ 3.


Para o BNP Paribas, o dólar pode bater em R$ 3,235 até outubro caso o Brasil tenha de racionar energia a partir de março, segundo estudo do banco assinado pelos estrategistas Gabriel Gersztein e Thiago Alday. Os cálculos tomam como base a dinâmica da taxa de câmbio percebida no racionamento energético de 2001.


A moeda brasileira sofreria mais pressão no segundo e terceiro trimestres, antes de se recuperar nos últimos três meses do ano. Com isso, o dólar romperia a barreira dos R$ 3 já em agosto e só voltaria a ser cotado abaixo desse patamar em dezembro. Em 22 de janeiro de 2016, a taxa de câmbio estaria em R$ 2,699, para os estrategistas.


O banco francês ressalva, contudo, que em 2001 a depreciação do real foi ditada por outros fatores como a eleição presidencial do ano seguinte, o ataque de 11 de setembro nos Estados Unidos e o calote da dívida soberana argentina. Numa tentativa de promover o isolamento do fator racionamento, o BNP descontou da depreciação cambial a queda de um índice global de moedas emergentes. O banco também assumiu que o tamanho e a duração de um eventual racionamento neste ano seriam similares aos de 2001, o que, o próprio banco reconhece, pode não se comprovar.


O Standard Chartered prevê que o dólar pode chegar a R$ 2,95 ao fim do primeiro trimestre, devido à combinação de fraca atividade econômica, inflação ainda elevada, risco de racionamento elétrico e um quadro mais desfavorável para moedas emergentes de forma geral. No entanto, caso o racionamento de energia elétrica se confirme, o dólar deve subir ainda mais contra o real, rompendo essa marca bem antes do esperado, para terminar o ano em R$ 2,80, aponta o estudo assinado pelos estrategistas do banco Italo Lombardi e Nick Verdi.


Os profissionais lembram que após o anúncio do racionamento de energia em 2001, o real acumulou até meados de setembro um tombo de 22% ante o dólar. No entanto, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) promoveu naquele ano um agressivo afrouxamento monetário, o que, de alguma forma, ajudou a suavizar a depreciação da moeda brasileira até o fim de 2001. O cenário agora, contudo, é exatamente o contrário, com o Fed devendo subir a taxa de juros neste ano.


Além do risco de falta de energia, há muita incerteza no cenário, principalmente em relação à aprovação das medidas de ajuste fiscal. "Se houver muitas modificações nas medidas, o mercado vai ficar mais pessimista", afirma Bistafa, da Rosenberg.


Segundo o economista-chefe do ING, Gustavo Rangel, o ajuste verificado recentemente na taxa de câmbio reflete uma correção das expectativas dos investidores diante da piora do quadro para a economia brasileira. "O mercado tinha se animado com a nomeação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e com o anúncio de medidas de ajuste e agora entendeu que, com a economia brasileira entrando em recessão, esse ajuste será mais difícil."


Por outro lado, a aprovação das medidas fiscais e de mudanças no seguro-desemprego, que serão votadas no Congresso até 2 de abril, pode trazer um alívio para o câmbio, afirma Alessandra Ribeiro, economista e sócia da Tendências Consultoria. A Tendências mantém a projeção para o câmbio de R$ 2,79 para o fim do ano.


A economista destaca que são esperados novos anúncios de medidas de contenção de gastos pela equipe econômica, na tentativa de compensar uma queda de receita, uma vez que a previsão é de um crescimento menor da economia.


A aprovação das medidas é um sinal importante para reduzir a preocupação com a possibilidade de rebaixamento do rating do Brasil, o que levaria o país a perder o grau de investimento. Esse risco passou a ser considerado pelo mercado após a divulgação do resultado fiscal do ano passado, que apresentou déficit de 0,6% do PIB. "O mercado ainda vai esperar os primeiros resultados fiscais para começar a incorporar esse risco no preço", diz Bistafa, da Rosenberg.


Há uma grande preocupação com o cenário político, especialmente com o enfraquecimento do apoio da base aliada à presidente Dilma Rousseff e a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que tem mostrado uma posição contra o governo, para a presidência da Câmara, o que poderia dificultar a aprovação das medidas fiscais.


Apesar disso, os economistas não veem um risco de impeachment da presidente Dilma nesse momento e esse fator ainda não está refletido no preço do câmbio. "Embora as chances tenham aumentado, elas não estão nem perto de serem altas. No entanto, o mero fantasma do impeachment é suficiente para mudar o debate político e engordar os riscos de cauda no Brasil", afirma o banco Brown Brothers Harriman em relatório.



Câmbio reflete novo preço do real e não uma saída de recursos


Por Lucinda Pinto e José de Castro | De São Paulo


Os investidores assistiram na última semana a uma forte e abrupta disparada da cotação do dólar, que surpreendeu muitos analistas e gerou, inclusive, a revisão das projeções de algumas variáveis econômicas, como inflação e juros.


O ganho do dólar está em 5,30% neste mês e chegou a ser de quase 7% até quarta-feira, dia em que a moeda americana atingiu a máxima em mais de 10 anos, ao superar R$ 2,88 nas operações intradia. Esse movimento gera ruído e desconforto, porque afeta o custo de quem tem crédito ou posições financeiras em dólar. Mas, pelo menos por enquanto, não reflete uma corrida dos ativos brasileiros, algo que se pareça com uma fuga de capital. O movimento parece mais com o tal "ajuste cambial", previsto por muitos analistas e desejado como instrumento capaz de corrigir o déficit externo do país, de 4,17% do PIB.



O que está em jogo nesse movimento é a percepção do quanto vale o real. Se o país cresce pouco, terá um volume menor de investimentos e, portanto, atrairá menos capital. Além disso, se há incertezas sobre questões fundamentais, abastecimento de água e energia e também sobre o futuro de sua maior companhia, a Petrobras, a decisão de investimento fica, no mínimo, adiada. Com a perda de valor das commodities, que dominam a pauta exportadora do país, a balança comercial também tende a gerar um fluxo menor de dólares.


Quando se pensa em diferencial de juros, a perspectiva de que os EUA comecem a subir seu juro coloca em xeque o nível de atratividade dos ativos brasileiros. Esse conjunto de fatores indica que o real tem de valer menos que o dólar. É esse ajuste que está em curso.


Confirma essa leitura, de que a desvalorização do real não se trata exatamente de fuga de Brasil, o desempenho do fluxo cambial, que ficou positivo em US$ 823 milhões na primeira semana de fevereiro, período em que o dólar subiu nada menos que 3,30%. No ano, o saldo é positivo em US$ 4,726 bilhões, bem maior que o superávit de US$ 1,657 bilhão registrado um ano antes. O fluxo firmemente positivo em 2015 contrasta com a desvalorização de 4,25% do real ante o dólar no ano até a semana passada.


Desde o início do ano, investidores têm mostrado mais ceticismo com as expectativas para o fluxo, sobretudo pelas incertezas no plano doméstico, em meio à crise da Petrobras e à baixa atividade no mercado de captações externas. A leitura geral é que o fluxo tende a seguir fraco, mas não muito pior que o esperado, tanto pelo aumento da liquidez no mundo quanto pela perspectiva de recuperação do fluxo comercial, em boa parte pela alta do dólar.


No caso específico da Bovespa, o ingresso de recursos externos supera as saídas em R$ 1,241 bilhão no mês de fevereiro, até o dia 11, e em R$ 2,816 bilhões no ano.


Uma outra medida que não só capta o sentimento do investidor com relação ao custo interno do dólar como também mensura a perspectiva de fluxo é o cupom cambial. O cupom cambial costuma ser visto como a variável que espelha o juro em dólar. Portanto, sua taxa tende a subir quando há uma forte demanda pela moeda no mercado à vista - por exemplo, durante o fim do ano, quando aumentam as saídas de recursos para remessas de lucros e dividendos.


A medida do cupom cambial na BM&F é a taxa do "forward rate agreement" (FRA), que, apesar da alta recente, ainda está em níveis considerados historicamente baixos e bem aquém de máximas alcançadas mais recentemente, como em novembro e dezembro, quando sazonalmente o Brasil sofre com saídas líquidas de dólares.


A taxa do FRA para janeiro de 2016, por exemplo, era cotada na sexta-feira a 2,39%, com queda em relação ao ajuste de quinta, de 2,42%. A queda se deu a despeito da alta do dólar, que chegou a superar 1% nas operações de sexta. A taxa do FRA para janeiro de 2016 está abaixo do nível em que começou este ano, de 2,63%. Em 18 de novembro, quando o Brasil já sofria com saídas de recursos devido ao fim de ano, o FRA chegou a ser cotado em 3,04%. A título de comparação, a taxa do FRA de prazo equivalente terminou 2008 - auge da crise financeira global, que fechou os canais de crédito do mundo e provocou saídas de bilhões de dólares do Brasil - em 5,25%.


Nenhuma palavra chave encontrada.
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.