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Valor Online ( Finanças ) - SP - Brasil - 06-02-2015 - 05:00 -   Notícia original Link para notícia
Desconfiança fiscal volta a mexer com ativos

Por Lucinda Pinto, Antonio Perez, Silva Rosa e José de Castro | De São Paulo


Vale, da MB Associados: Levy pode alcançar a meta de superávit primário, desde que sejam adotadas medidas mais duras


As preocupações com a piora dos fundamentos domésticos entraram de vez no radar dos investidores. Com o enfraquecimento da atividade econômica - que pode entrar em recessão com eventual racionamento de energia e água e os desdobramentos da crise na Petrobras -, o mercado começa a questionar a capacidade de o governo cumprir a meta fiscal de superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.


Esse quadro amplia a percepção de risco, o que se traduz em alta dos juros futuros longos e pressão sobre a moeda brasileira. É crescente o sentimento de que o cenário negativo com o qual o mercado trabalhava no fim de 2014 pode ser ainda pior. Em certa medida, dissipam-se os efeitos positivos sobre os ativos gerados pelo primeiro mês de gestão de Joaquim Levy à frente do ministério da Fazenda.


"O ano de 2015 mostra que vai ser pior do que se imaginava. A indefinição da situação da Petrobras [após a saída da presidente da estatal Maria das Graças Foster] pode se estender por mais tempo e há incerteza sobre o apoio político à aprovação das medidas de ajuste fiscal anunciadas recentemente", diz Silvia Campos Netto, economista da Tendências Consultoria.


Ontem, os juros futuros longos avançaram na BM&F, consolidando o movimento de mudança de patamar dos prêmios de risco observado nesta semana. A taxa do contrato futuro de Depósitos Interfinanceiros (DI) com vencimento em janeiro de 2021 subiu ontem de 12,12% para 12,22%. No fim da semana passada, o derivativo era negociado a 11,90%. Com isso, o diferencial entre as taxas do contrato para janeiro de 2017 e janeiro de 2021 passou de - 0,58 ponto percentual, no fim da semana passada, para -0,42 ponto ontem. Essa redução da chamada "inclinação negativa" da curva a termo reflete um aumento da percepção de risco.



Ao mesmo tempo que deprime a atividade, o racionamento pode turbinar ainda mais a inflação no curto prazo, dificultando o trabalho da política monetária na ancoragem das expectativas. Como há dúvida sobre a extensão e magnitude do atual ciclo de aperto monetário, sobretudo após a divulgação da mais recente ata do Copom, os riscos inflacionários aumentam, o que se transmite aos prêmios dos contratos mais longos. Os juros das NTN-Bs (papel público atrelado à inflação) também estão sendo afetados. Ontem, o título com vencimento em 2050 era negociado a 6,13% ao ano, depois de ter ensaiado recuar abaixo do nível de 6% há pouco mais de duas semanas.


"Será que a lua de mel acabou?", observa o economista-chefe da Garde Asset Management, Daniel Weeks. Ele observa que, desde sexta-feira, muitos elementos que abriram espaço para o recuo dos juros futuros mudaram. É o caso do dólar que voltou a subir, dos dados fiscais decepcionantes e do risco de racionamento de energia e de água, com efeito potencial sobre o PIB, além da inflação de difícil mensuração. Por fim, o especialista cita mensagem deixada pela ata do Copom, na quinta-feira passada, mostrando que o Banco Central está menos disposto a ser duro como se havia imaginado, o que afeta diretamente a ponta longa da curva a termo. "Isso tudo gera muito mau humor", diz Weeks.


O economista ainda acredita que, sobre a gestão fiscal, o mercado tenderá a confiar em uma postura de transparência por parte do ministro Levy. Ainda que a meta de 1,2% não seja atingida, um discurso que esclareça a dificuldade do momento e o esforço em evitar manobras pode reforçar a confiança dos investidores. "Acredito que o Levy poderá começar a preparar o mercado para esse cenário e, se fizer isso com muita transparência, essa mensagem será bem recebida", afirma.


Para o sócio-gestor da Quantitas, Rogério Braga, apesar de parte da alta das taxas refletir a influência externa, é notório que o quadro doméstico estimulou o aumento da percepção de risco. Ao pessimismo com a atividade econômica somam-se as preocupações com os desdobramentos da Operação Lava-Jato e a sensação de que o governo terá dificuldade nas negociações com o Congresso. "O efeito do anúncio das medidas fiscais ficou para trás", afirma Braga.


O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, afirma que, com os "riscos advindos do racionamento e dos desdobramentos do caso Petrobras", as expectativas para o desempenho da economia podem piorar ainda mais. Por ora, ele trabalha com queda de 1% do PIB neste ano. "Essa não é qualquer crise. São vários elementos em conjunto. Há uma grande chance eventualmente de revisão desse número [retração de 1%] para baixo", afirma Vale.



Para o economista-chefe da MB, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy - a quem classifica como "estrela única num firmamento escuro, praticamente um buraco negro" -, pode ainda alcançar a meta de superávit primário de 1,2% do PIB neste ano, mas desde que sejam adotadas medidas ainda mais duras. "Como ele não pode cortar investimentos, terá que ser na base do aumento da carga tributária. Acho que, em algum momento, a CPMF vai entrar em pauta. São potenciais R$ 60 bilhões a mais que dariam um grande alívio ao governo", diz Vale.


Ele ressalta que, como o setor público consolidado fechou 2014 com déficit primário equivalente a 0,63% do PIB, o ajuste neste ano é mais próximo de 2% do PIB. Com a contração de 1% da economia neste ano, Vale lembra que a receita deve crescer em ritmo menor ao estimado pelo governo.


A deterioração dos fundamentos domésticos tem impedido uma recuperação do real. Ontem, a moeda americana fechou em ligeira alta, e 0,04% a R$ 2,7444. Apesar da queda do dólar no exterior distensionar o câmbio, notícias negativas do mercado interno impediram a valorização da moeda brasileira, que teve a pior performance ante o dólar entre as principais moedas emergentes. Com isso, o dólar acumula alta de 2,06% na semana, e está no maior nível desde março de 2005.


No caso da moeda americana, declarações do ministro da Fazenda, Joaquim Levy na semana passada levantaram dúvidas sobre a continuidade das intervenções do BC no câmbio, o que aumentou a demanda por dólares. Esse movimento foi impulsionado principalmente pelos investidores estrangeiros, cuja posição líquida comprada na moeda americana no mercado futuro (apostando na alta) atingiu novo recorde em 4 de fevereiro, somando US$ 36,267 bilhões.


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