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Portal EM ( Gerais ) - MG - Brasil - 01-09-2014 - 10:48 -   Notícia original Link para notícia
Moradores relatam desconforto de viver ao lado dos viadutos de BH

Moradores que residem ao lado de viadutos reclamam do desconforto do barulho de carros, da incômoda sujeira que impregna os imóveis e da falta de segurança e de privacidade


Publicação: 01/09/2014 06:00 Atualização: 01/09/2014 07:13


Pedro Ferreira


O aposentado Manuel Ramos está perdendo a audição por causa do barulho: 'Estou na minha casa e não tenho mais liberdade nenhuma'


Quando olha da varanda da sua casa, a paisagem é outra para o professor aposentado Manuel Ramos, de 86 anos. Onde antes era só mato e havia uma nascente de água na Avenida Cristiano Machado com Rua Caputira, no Bairro Floresta, Região Leste de Belo Horizonte, hoje tem um viaduto duplo - o Abgar Renault e o Pedro Nava -, de 420 metros de extensão, por onde passam 125 mil veículos por dia. "Estou perdendo a audição por causa do barulho. À noite, vou para um quarto, vou para outro, mas não adianta. Dá na mesma", reclama o aposentado. 

Assim como Manuel, milhares de belo-horizontinos convivem 24 horas por dia com o desconforto de ter um elevado de concreto ao lado das suas casas. Para alguns, o drama começa antes mesmo da inauguração da obra e passa a ser um pesadelo diário, como a exemplo dos moradores dos edifícios Antares e Savana, no Bairro São João Batista, na Pampulha. Várias famílias tiveram que deixar seus apartamentos e estão alojadas em hotéis, depois da queda de parte do Viaduto Batalha dos Guararapes na Avenida Pedro I , em 3 de julho, que matou duas pessoas e feriu 23. A outra alça ameaça desabar e atingir os condomínios.


Em Belo Horizonte, são 71 viadutos, segundo a Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), muitos construídos nos últimos 10 anos. Somente na Linha Verde foram 20 novas travessias para veículos ao longo da Cristiano Machado e da Rodovia MG-10. Nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I, foram mais sete no plano de mobilidade viária BRT/Move.

Manuel Ramos diz ter saudade da época em que lavadeiras desciam do Bairro Concórdia, na Região Nordeste, para lavar roupas na nascente nos fundos da sua casa, onde hoje é o viaduto, próximo ao Túnel da Lagoinha. "Secavam as roupas na cerca de arame farpado", recorda. Hoje, o aposentado conta que já não consegue mais ficar na varanda por causa do barulho, da poeira e da falta de privacidade. "Estou na minha casa e não tenho mais liberdade nenhuma", lamenta o professor. O viaduto, inaugurado em 2007, fica na mesma altura da sua varanda, distante menos de 10 metros. O aposentado construiu a casa entre 1968 e 1970, onde criou seus filhos. Apesar do transtorno, ele não pretende deixar o imóvel. "O progresso chega e o sossego vai embora." Entretanto, um dos filhos não dorme mais em casa. Ele comprou um apartamento, fica com o pai durante o dia e passa as noites fora. Outro incômodo é o pó de asfalto. "Tive que trocar as persianas", reclama. 

A aposentada Maria Emília Lima, de 66, é vizinha dos viadutos Murilo Rubião e Oswaldo França Júnior, na Crstiano Machado com Avenida José Cândido da Silveira, no Bairro Cidade Nova, Região Nordeste. "O barulho dos carros é tanto que dormir é um problema. A gente sempre acorda de madrugada quando passa um carro com som alto, tocando funk", reclama. Para ela, o barulho praticamente dobrou com a construção dos viadutos. "Se eu quiser sossego agora, vou ter que morar na roça".


Sem intimidade


Quando comprou seu apartamento, há 13 anos, na Rua da Bahia ao lado do Viaduto Santa Tereza, no Centro, a professora Maria da Penha Ribeiro de Oliveira, de 67, admite que já sabia dos problemas que iria enfrentar. Um deles é ficar exposta às pessoas que passam no viaduto e ficam olhando dentro do seu imóvel, no segundo andar do prédio. "A minha intimidade é invadida o tempo todo", reclama a professora.

Se fosse apenas a falta de privacidade, seria menos mal. Maria da Penha é obrigada a manter as janelas trancadas o tempo todo também por causa do barulho e da poeira. "Limpo o apartamento todos os dias. Não dá para abrir as janelas". As cortinas também vivem fechadas. "As pessoas passam de ônibus olhando para dentro do meu quarto. Se vou trocar de blusa, tem que ser escondido", disse. 

A professora conta que também teve problemas com moradores de rua e usuários de drogas que viviam debaixo do viaduto. "Eles usavam drogas e apontavam facas para mim, me ameaçando. Já houve várias mortes entre eles, e isso me assustou muito", conta a professora. A assistente social Sandra Pereira, de 55, é síndica no prédio e se sente incomodada com o barulho, mesmo morando no 17º andar. "Quando ocorre um acidente no viaduto, todo mundo acorda sobressaltado", disse a síndica.


PREJUÍZO À SAUDE

O barulho constante para quem mora perto de viaduto pode causar distúrbio do sono e provocar alergias por causa da poeira, alerta o médico Breno Figueiredo Gomes, do Departamento de Clínica Médica da Associação Médica de Minas Gerais. "O distúrbio do sono pode alterar a pressão arterial e a qualidade de vida dos moradores com irritações. Se a pessoa já tem um problema pulmonar, pode piorar, desencadeado pela poluição. Se a pessoa tem privação do sono e alergia, ela vai ter um grau de estresse ainda maior. Aí, atrapalha tudo", alerta o médico. A recomendação dele é sempre manter as janelas fechadas, instalar isolamento acústico e manter a casa limpa.   


Comércio também sofre
Para comerciantes da Avenida Cristiano Machado, o viaduto é sinônimo de prejuízo. Pelo menos cinco lojas estão para alugar no quarteirão entre a Avenida Silviano Brandão e a Rua Pitangui, mas ninguém se interessa em montar negócio no local, segundo eles. O aposentado Manuel Diz Ramos é dono de imóveis comerciais e conta que somente conseguiu alugá-los pela metade do preço, depois de dois anos fechados.

Warley Bonani Carvalho, de 49 anos, sócio de uma loja elétrica desde 1974, conta que os clientes sumiram com os carros passando por cima do viaduto. "Muitas vezes, o motorista via a loja e parava para comprar alguma coisa. Agora, ficou tudo deserto aqui embaixo, o que tem atraído ladrões, moradores de rua e usuários de drogas. Os arrombamentos de lojas também aumentaram", reclama. 

 De acordo com o vice-presidente da (), Marco Antônio Gaspar, as vendas no comércio caíram para mais da metade na Cristiano Machado com a construção do viaduto. "É uma realidade em qualquer lugar do mundo. Embaixo do Minhocão (elevado da capital paulista) virou submundo. A visibilidade da fachada da loja é muito importante, mas elas ficam encobertas pelos viadutos", disse Gaspar.

Prioridades


Para a presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), Rose Guedes, estão dando mais prioridade para os carros do que para os moradores nas grandes cidades brasileiras. "Não estão ouvindo mais os técnicos responsáveis pelo planejamento da cidade. Tem que ter uma equipe multidisciplinar para projetar a cidade, mas que tenha a coordenação de um arquiteto. Nos novos conceitos, quem está fazendo isso não é o arquiteto, é a vontade política", reclama. Para ela, é preciso qualificar o plano de mobilidade para diminuir o acesso ao carro. "É fundamental melhorar o transporte coletivo, permitir outros meios de transporte, como a bicicleta, em locais possíveis, e dificultar o uso do carro na cidade", disse. (PF)


Palavras Chave Encontradas: Câmara dos Dirigentes Lojistas, CDL
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