Leitura de notícia
Valor Online ( Cultura ) - SP - Brasil - 07-05-2014 - 05:00 -   Notícia original Link para notícia
O novo e o velho disputam espaço em Pequim

Por Cadão Volpato | Para o Valor, de Pequim


Sinais da China tradicional: entrar na Cidade Proibida é uma experiência assombrosa que atrai multidões. É um mundo à parte, que parece imutável


Os antigos táxis vermelhos de Pequim foram substituídos por sedãs brancos Hyundai e Volkswagen. Como em qualquer grande cidade do mundo, eles estão em toda parte, mas com o agravante de aparecer quase mais do que as bicicletas, que perderam o posto de veículo mais usado para as motonetas e os carros importados. Não espere encontrar um enxame delas pelas ruas da capital chinesa. Mas vá preparado para o trânsito carregado, de vias ou de ciclovias.


Uma cidade nova parece nascer em Pequim a cada dia. Tudo é grandioso na China, mas apenas Xangai consegue rivalizar com a capital em tamanho de população e arranha-céus.


Hoje vivem em Pequim mais de 21 milhões de habitantes. Todos os principais defeitos da superpopulação são encontrados na cidade, mas é a poluição que tem virado notícia. De fato, ela é pesada. Mais do que pesada, é densa.


Muitos chineses usam máscaras. Para quem vem de São Paulo, onde a poluição também proporciona enganosos espetáculos coloridos no pôr do sol, Pequim pode parecer estranhamente familiar. Só que Pequim é uma São Paulo ainda maior e mais impressionante. As semelhanças não se sustentam por muito tempo.


Pequim é uma cidade limpa. Quando os uniformes azul e cinza dos maoistas caíram em desuso, os chineses - já de olho nas roupas coloridas dos ocidentais - renovaram seus guarda-roupas. As túnicas de Mao foram relegadas a poucos camaradas mais velhos e renitentes. O que se vê por todo lado é uma elegância discreta.


Os símbolos comunistas passaram a ocupar um espaço menor no imaginário da cidade. Eles não sumiram como os táxis vermelhos, mas são bem menos onipresentes do que se pode imaginar. Às vezes, parecem suvenires antiquados de uma época morta.


A classe média gigantesca que se acotovela pelas ruas está mais interessada nas iscas capitalistas do que nos livrinhos vermelhos de Mao. Como se dissesse "Vocês enriquecem, nós governamos", o governo parece ter feito um pacto silencioso com essa classe que tentou fulminar nos anos mais sangrentos da Revolução Cultural Chinesa.


A Grande Muralha, colossal empreendimento humano que visava proteger a China de seus conquistadores. É a chance para o turista pisar nos degraus ancestrais de uma das maravilhas da Terra


Esse "pacto" parece ser vivenciado em cada esquina: não que a política tenha sido banida da lista de interesses da população. É que as pessoas andam ocupadas em enriquecer. E desde que a política do filho único foi implantada pelo governo no fim dos anos 1970, a China é uma nação de filhos únicos loucos para conseguir um lugar ao sol - no país e no mundo. Nos últimos anos, essa ideia estranha vem sendo afrouxada. Mesmo assim ainda há um déficit de mulheres no país - e um número grande de solteirões.


Isso tudo não faz muita diferença para o turista ocidental. O que faz diferença é descobrir que a imensa maioria de visitantes de Pequim vem do interior da própria China - que, segundo dados do Banco Mundial, deve ultrapassar os Estados Unidos como maior economia do mundo ainda neste ano. A situação é esquisita: os estrangeiros de olhos grandes e narigudos, do ponto de vista dos chineses, acabam se transformando em atrações turísticas, posando para fotos ao lado de crianças e adultos sorridentes de algumas das aldeias mais distantes do país.


Num primeiro encontro, Pequim assusta. Para além de sua grandeza ancestral (sempre foi uma das maiores cidades do mundo ao longo da história) e atributos de megalópole, há o agravante da língua. Fala-se pouco qualquer outro idioma que não seja o mandarim.


Os moradores tentam ajudar, mas os taxistas, seguindo a norma de qualquer grande cidade do mundo, podem exibir seu mau humor às vezes, botando o visitante para fora do carro, por ser incapaz de pronunciar qualquer coisa na língua nativa.


Pequim pode parecer, assim, uma metrópole feita para profissionais, poluída e desumana. Essa impressão desaparece rapidamente. Basta usar o mapa e os cartões em mandarim que os hotéis deixam à disposição. É apontar para os lugares e ver o que acontece. Geralmente se chega lá.


Quanto aos taxistas, um golpe comum é o do dinheiro falso: ele vai pegar as notas do seu dinheiro e dizer que são falsas. Simplesmente porque as substituiu enquanto você estava desatento. Mas isso acontece em qualquer grande cidade do mundo.


A dor de cabeça é muito pequena diante do que Pequim oferece. O velho e o novo vêm travando uma batalha muito grande na cidade nos últimos anos. A novidade está vencendo, mas o que ficou em pé dos velhos tempos ainda vale a viagem.


A China moderna: a poluição é pesada, densa, e leva habitantes a usar máscaras


Entrar na Cidade Proibida, debaixo do enorme retrato de Mao Tsé-tung, é uma experiência assombrosa. Multidões convergem para o seu interior, atônitas diante do "vermelho de fígado de porco" dos seus intermináveis aposentos - a cor que, segundo eles, dá sorte.


Dizem que a superstição impediu Mao de cruzar aqueles enormes portões no dia em que proclamou a fundação da República Popular, diante de 300 mil pessoas aglomeradas na praça Tiananmen (a praça da Paz Celestial), em 1º de outubro de 1949. A Cidade Proibida representa um mundo à parte, que parece imutável e deve sobreviver a todos nós.


Hoje em dia, a praça da Paz Celestial é uma lição de vazio, se comparada à Cidade Proibida. Imensa, vigiada e cercada por prédios imponentes construídos no estilo soviético, ela não consegue apagar uma das imagens mais fortes do século XX: a do homem com uma bolsa e uma sacola tentando impedir a passagem dos tanques nos protestos estudantis reprimidos à bala em 1989. Nesta praça de proporções monstruosas, tudo o que é oficial acontece, mas o governo permanece invisível dentro dos edifícios.


O Estádio Nacional de Pequim, ou Ninho de Pássaro, construído pelos arquitetos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron em ferro e aço entrelaçados, é bonito por fora e estranho por dentro. Chove e neva no seu interior.


A ideia do Ninho foi dada por Ai Weiwei, o artista chinês mais famoso no exterior. Impedido de sair do país, onde o Google também é censurado, Ai Weiwei se comunica como mundo por meio de uma conta no Instagram.


Mas a arte continua florescendo em Pequim. O 798 é um bairro de artistas que precisa ser visitado. Lembra o Chelsea ou o Soho de Nova York, e qualquer taxista sabe chegar lá.


Para quem busca um ar cosmopolita, a sugestão é visitar o 798, bairro de artistas que lembra o Soho de Nova York


Os artistas chineses contemporâneos parecem ter uma imaginação desencanada dos cânones. Apartados da política, da cidade e do mundo durante muito tempo, eles se reuniram em grupos e fizeram suas escolhas baseados na curiosidade e na intuição, o que lhes deu uma grande liberdade. O 798 contém amostras bem arejadas dessas pequenas aventuras artísticas. Vale a pena passar o dia ali, onde as lojinhas e os cafés são simpáticos e cosmopolitas.


Pequim ainda guarda muitas atrações. Talvez a mais interessante delas esteja num dos "hutongs", as vielas estreitas e labirínticas onde ficam as antigas casas da cidade, com os pátios cercados de muros no estilo tradicional de moradia chinesa. São como as vísceras de Pequim, que não para de crescer e olha para eles com alguma desconfiança, como se tivessem os dias contados.


A verdadeira humanidade chinesa trafega pelas ruazinhas dos "hutongs", onde o pequeno comércio ainda funciona, misturando vegetais a camisetas engraçadas, restaurantes típicos de comida exótica e lojas de roupas com design nativo. São bons lugares para se perder, se for o caso. Vale a pena se hospedar num dos hotéis encravados no coração da bagunça.


Por fim, uma viagem de uma hora na direção do Norte de Pequim leva à incontornável Grande Muralha, um colossal empreendimento humano que não conseguiu servir ao seu propósito principal: proteger a China dos seus conquistadores. Você estará pisando nos degraus ancestrais de uma das maravilhas da Terra. Que, apesar da crença popular, não pode ser vista da Lua.


Passeios


Estádio Ninho de Pássaro, que teve consultoria de Ai Weiwei


Aos clássicos Cidade Proibida, praça da Paz Celestial (Tiananmen), Estádio Nacional de Pequim e "hutongs", acrescente o Templo do Céu, um complexo arquitetônico que simboliza muito bem o espírito chinês, e os túmulos Ming, que podem ser visitados no caminho da Grande Muralha, a cerca de uma hora de distância da capital. Meio lúgubres, dão uma ideia clara dos poderes do imperador. São 13 túmulos espalhados por 40 km2, mas uma visita ao de Chang Ling (1424) já é suficiente.


Onde comer


O melhor é fugir das ofertas da rua. Há restaurantes excelentes em Pequim, como em qualquer grande cidade do mundo. O Lost Heaven, muito próximo de Tiananmen e da Cidade Proibida, ocupa um prédio dentro de um conjunto que pertenceu à embaixada americana nos tempos da última dinastia, no coração da cidade. Tem uma cara étnica, remetendo às paisagens citadas no livro "Horizonte Perdido", de James Hilton, que já rendeu dois filmes. E tem um pouco das especialidades do Tibete e de Burma, o que soa bem exótico para um habitante de Pequim. A comida é ótima.


Site: www.lostheaven.com.cn


Onde ficar


Os hotéis costumam oferecer excursões que incluem os túmulos Ming e uma refeição ao fim. Os guias são, em geral, funcionários do governo.


O Courtyard 7, no coração do Hutong Qiangulouyan, e The Peninsula, em Wangfujing, o bairro das compras, são propostas quase opostas de hospedagem. O Courtyard está no centro da agitação humana, onde ainda resiste a velha Pequim. O Peninsula, mais clássico e refinado, tem um dos melhores spas da cidade.


Site: www.courtyard7.com


Site: www.peninsula.com


Para ler antes de ir


"Mudança", do prêmio Nobel Mo Yan (ed. Cosac Naify). Nessa novela comovente e engraçada, Mo Yan conta as aventuras e desventuras de um escritor (ele mesmo) que sai da aldeia e descobre a grande Pequim. "Mudança" é uma palavra-chave para a China e naturalmente para a sua capital.


Palavras Chave Encontradas: Criança
O conteúdo acima foi reproduzido conforme o original, com informações e opiniões de responsabilidade da fonte (veículo especificado acima).
© Copyright. Interclip - Monitoramento de Notícias. Todos os direitos reservados, 2013.